São Paulo, terça, 26 de janeiro de 1999

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LUíS NASSIF
Os males do presidencialismo


O que se está vendo nos últimos dias são os últimos estertores de uma política que já morreu. Dono de um ego considerável, FHC vai demorar mais tempo que pessoas normais para cair na realidade, o que obviamente aumentará substancialmente o preço -já imensamente caro- que o país está pagando por suas indecisões.
Nos últimos dias, FHC vem recorrendo a um arsenal de fogos de artifício, velho e surrado, para tentar empurrar a crise com a barriga. Convocou pactos nacionais, telefonou para sindicalistas, procurou minimizar a crise, garantindo que ela só afetará quem compra carros importados, enfim, uma sucessão de atos descoordenados, improvisados, sem um pingo de convicção, de quem perdeu o eixo e fica se debatendo em gestos menores.
No que interessa -a operação do dia a dia- permanece o caos. O "knock down" sofrido pelo Banco Central no mercado de câmbio, na quinta passada, ocorreu antes que o mercado entrasse na luta do câmbio livre. Foi como se um lutador disparasse um murro circular e acertasse a própria testa. E vem FHC convocar pactos nacionais...
O presidente sabe que a gente sabe que ele sabe que todos esses gestos dos últimos dias não têm a menor importância. Pior, a cada nova demonstração de alienação da realidade, lá se vão mais reservas cambiais e de credibilidade.
Mas não tem jeito, o presidencialismo é isso aí. A nação vai ter que aguardar pacientemente (se for possível) completar-se o processo de tomada de consciência do presidente, a inevitável depressão que o acometerá quando cair na real e o duro processo de recomposição psicológica e da governabilidade. Que a estrela de dona Ruth Cardoso brilhe e incuta seu bom senso e determinação no seu companheiro.
² Centralismo
Não há exemplo maior da inconsistência do presidencialismo e do centralismo administrativo do que esse impasse que o país atravessa.
Nos últimos anos, tendo-se no poder um presidente presumivelmente racional, a bandeira parlamentarista foi para segundo plano e recriou-se o mito de que a racionalidade imperaria em Brasília.
Esse sentimento fortaleceu várias iniciativas visando centralizar nas cúpulas o controle sobre todos os movimentos da base. Entre essas iniciativas, as mais radicais são a súmula vinculante (que impede manifestação de juízes que contrariem decisões dos tribunais superiores) e a fidelidade partidária.
De fato, a falta de uma certa disciplina nos tribunais permite que teses derrotadas encontrem guarida e sirvam de instrumento protelatório, em decisões de primeira instância. E o exercício da infidelidade partidária favorece o comércio de votos. Mas será que o caminho residiria no enquadramento de todo rebelde?
O tamanho da crise atual reside basicamente no oposto -o excesso de poder e a falta de instrumentos políticos de pressão sobre as cúpulas. O presidencialismo confere ao presidente toda a responsabilidade pelas decisões de gestão do governo. Na fase de ascensão, o excesso de poder aliena. Gradativamente ele vai perdendo a sensibilidade para as críticas, isolando-se da realidade. Na fase do ocaso, o excesso de poder paralisa. O presidente não tem com quem dividir as responsabilidades pelas decisões e não decide. Fica o país inteiro amarrado a sua incapacidade de decidir.
Em um sistema parlamentarista, há muito esse nó górdio teria sido rompido. O gabinete Malan teria caído, o Congresso teria indicado um novo primeiro ministro e, na qualidade de quem indicou, seria co- responsável por todos os seus atos -até mesmo pela renegociação das dívidas com os Estados.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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