São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Afrouxem a corda para evitar o pior

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A passagem da teoria econômica para o campo da política econômica é uma das armadilhas mais perigosas na carreira dos economistas quando deixam o acolhedor ambiente da universidade para trabalhar na planície da vida profissional. Essa é a causa mortis mais importante na destruição ou mediocrização de carreiras de alunos e acadêmicos brilhantes. Já vi esse filme, várias vezes, ao longo de minha vida profissional.
A explicação para esse fenômeno é muito fácil de ser encontrada. A teoria econômica é desenvolvida a partir de um processo de idealização do comportamento dos principais agentes econômicos em mercados perfeitos e puros. Nesse processo de abstração procuram-se encontrar regras estáveis de funcionamento da economia e definir relações estatísticas entre variáveis relevantes ao longo de tempo. Nos últimos anos o desenvolvimento da matemática -teórica e aplicada- melhorou de maneira importante o tratamento do chamado fenômeno econômico e, como conseqüência, deu maior densidade à teoria econômica.
Já a política econômica trata de questões da economia em um espaço social e político determinado e em um tempo histórico definido. Nessas condições, que se afastam do sonho descrito nos livros-textos, aparecem pelo menos três desafios para aqueles que assumem a responsabilidade de desenhar e operar a política econômica de um dado governo. Sem querer hierarquizar essas etapas, vou procurar detalhá-las ao meu leitor da Folha.
A primeira regra para essa passagem difícil e traiçoeira dos livros-textos para uma ação de governo é entender a realidade política na qual ela será implementada. A história nos mostra, por exemplo, a diferença entre a política econômica de governos autoritários e a de governos democráticos, esta muito mais sensível à realidade do que a primeira. Mostra-nos, também, as diferenças entre o que ocorre nas democracias maduras e institucionalizadas e nos sistemas políticos mais frágeis, como o nosso.
Uma segunda preocupação dos formuladores de uma política econômica deve ser a de deixar bem claros, dentro do governo em que ela será operada, os valores determinantes que servirão de base para sua aplicação. Conceitos mal definidos, "trade-offs" não explicitados e contradições entre dificuldades que serão enfrentadas ao longo do mandato de um presidente e promessas de uma campanha eleitoral são algumas das armadilhas a serem evitadas ou minimizadas para que a ação econômica de um governo tenha chance de ser efetiva, eficiente e perene.
Uma terceira limitação a ser observada com cuidado é a diferença entre o arcabouço institucional da economia idealizada na teoria econômica e o encontrado no país real onde será implementada a política econômica. As diferenças mais importantes aparecem no nível microeconômico e são representadas, principalmente, por uma legislação inadequada ao funcionamento eficiente dos mercados idealizados na teoria econômica. Essa limitação se torna insuportável dentro do arcabouço funcional da economia globalizada que vivemos hoje.
A avaliação da política econômica do governo Lula nestes seus primeiros 14 meses de governo, tomando como metodologia o que sucintamente descrevi acima, é extremamente preocupante. Primeiro porque a mudança nos rumos decidida em plena campanha eleitoral de 2002 não foi legitimada por uma decisão institucional dos petistas, como ocorreu no caso de vários partidos da social democracia européia. Essa carência de legitimidade está no centro da polêmica de hoje sobre as mudanças de rumo, exigidas hoje por parcela importante do PT.
Essa falta de clareza quanto à opção do governo por uma política econômica desvinculada das promessas de campanha do presidente Lula está permitindo que os partidos da base aliada exerçam uma pressão oportunista sobre o ministro Palocci. Essa situação está nos levando a uma confusa e inimaginável situação em que a oposição ao governo procura dar sustentação à equipe econômica do presidente Lula.
Um segundo ponto que me preocupa é a incapacidade da turma de Palocci, toda ela fixada ainda no imaginário dos livros-textos, de entender os verdadeiros desafios que representam essas contradições de natureza política. Com isso estão levando a limites extremos os conflitos dentro do governo Lula. Voltarei a esse ponto na próxima semana...


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Automóveis: Montadoras terão mais uma redução de IPI
Próximo Texto: Imposto de renda: Pensão é deduzida só com acordo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.