São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Ata e presidente do BC reabrem discussão sobre mudar alvo

Discutir meta de inflação é "legítimo", diz Meirelles

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, considerou "legítima" a discussão de uma proposta apresentada ontem pelo líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), de manter até 2006 a meta de inflação deste ano, de 5,5%, para "maximizar as possibilidades" de crescimento econômico.
Defendida durante uma exposição de Meirelles à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, a proposta de Mercadante significaria, na prática, elevar a meta já fixada para 2005 -um IPCA de 4,5%. Já a meta de 2006 deverá ser definida em junho pelo CMN (Conselho Monetário Nacional, formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do BC).
Divulgada poucas horas antes, a ata de reunião da semana passada do Copom (Comitê de Política Monetária) informava que os diretores do BC examinaram -e descartaram para "este instante"- a idéia de alterar as metas para acomodar o aumento de preços do começo do ano.
Segundo a ata, os diretores e o presidente do Banco Central reconheceram que os reajustes foram ocasionados, principalmente, por fatores sobre os quais os juros têm pouco ou nenhum efeito, os chamados choques de oferta.
"Como se sabe, a teoria econômica e as melhores práticas de condução de política monetária recomendam a acomodação parcial de aumentos da inflação ao consumidor provocados por choques de oferta", diz a ata.
Nesse caso, "acomodar" significa não combater os aumentos de preços por meio de juros altos, mas incorporar às metas parte da variação da inflação gerada pelos choques de oferta.
Ao se manifestarem sobre esse assunto (pela primeira vez), os diretores do BC acabaram dando fundamento a críticas crescentes segundo as quais o banco estaria usando juros para combater a "inflação errada".
"Acho que a ata abriu o caminho para mudanças na meta de inflação nos próximos meses", disse à Folha o economista do Itaú e ex-diretor do BC Sérgio Werlang, um dos pais do regime de metas brasileiro.

Ressalvas
A admissão de Meirelles foi feita em meio a ressalvas insistentes de que não existe proposta "formal" para alterar a meta de 2005.
O debate começou no Senado, quando Mercadante disse que o governo não pode "continuar insistindo numa desaceleração muito brusca" da inflação.
Meirelles -que, numa sessão de quase cinco horas, defendeu a política econômica de críticas de senadores aliados e oposicionistas- respondeu ao líder do governo de forma genérica: "É legítimo discutir as metas dos próximos anos, as metas de longo prazo que serão fixadas pelo CMN".
Ao final do depoimento, durante entrevista, Meirelles negou que a idéia esteja em discussão formal.
O presidente do BC mostrou também ressalvas pessoais à medida. "A experiência mostra que termos metas mais elevadas não é algo que propicie necessariamente um ganho", prosseguiu. "A maioria dos países tem hoje metas abaixo dessa [de 5,5%]." Meirelles disse que a meta de longo prazo do governo é uma inflação de 4%.
Procurada pela Folha, a assessoria do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) informou que a elevação das metas futuras não está em discussão no momento.

Mudança
A ata do Copom registrou que mudanças foram adotadas em 2002, quando as metas para aquele ano e também para 2003 e 2004 foram ajustadas para cima.
No começo do ano passado, o BC elevou novamente a meta de 2003, de 3,75% (mais 2,5 pontos percentuais de margem de tolerância) para 8,5%, também por conta de choques de oferta -no caso, a disparada das cotações do dólar e seu efeito inflacionário.
Para 2004, no entanto, a avaliação do BC é que a inflação voltou a convergir para as metas vigentes, o que não justificaria alterar os alvos neste momento. "O Copom entende que as circunstâncias vigentes neste instante não recomendam a adoção de procedimentos destinados à acomodação dos choques de oferta recentes."
A interpretação da ata preocupou Meirelles, que voltou ao tema várias vezes na exposição aos senadores. "Em certos momentos, determinada magnitude de choques justifica, segundo o arcabouço do regime de metas, que se adote um mecanismo de absorção mais prolongada", disse em entrevista após falar no Senado.
"Mas o Copom deixa bastante clara a sua mensagem de que não é o momento para pensar nisso, porque não existiram choques de magnitude que justificassem a medida", complementou.
Meirelles também disse que a decisão de reduzir os juros mostrou que o Copom não ficou refém da ata de janeiro, quando a permanência dos juros foi justificada pelo risco de alta da inflação.


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