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São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2003

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LUÍS NASSIF

Os números e a fantasia

Nas duas colunas anteriores, procurei trocar em miúdos a (anti) lógica econômica que passou a dominar o país a partir do Plano Real: o livre fluxo de capitais com valorização do real e taxas de juros elevadas, provocando uma enorme vulnerabilidade externa e uma situação de permanente desequilíbrio. Tudo em nome do combate à inflação. Poder-se-ia ter combatido a inflação sem os desequilíbrios externos, mas se buscou deliberadamente essa situação. E por quê?
Por trás desse modelo desequilibrado havia ganhadores e perdedores. Dividiu-se o Brasil em dois: o Brasil A, dos que tinham acesso ao mercado de dólares; o Brasil B, dos que não tinham acesso aos dólares.
No Brasil A estavam bancos internacionais, bancos nacionais, multinacionais e grandes grupos nacionais, que traziam dólares baratos para um ambiente de reais caros. Ou se ganhava aplicando em títulos públicos ou expandindo os negócios em cima do Brasil B.
O Brasil B perdeu de diversas formas. Primeiro quando os juros em reais foram brutalmente elevados e o real valorizado para abrir espaço para o crédito em dólares. Depois quando os juros foram mantidos em patamares elevados para permitir a rolagem da dívida pública. Mais à frente quando a carga tributária foi brutalmente elevada para permitir ao Estado fazer caixa para pagar os juros. Depois, quando os gastos públicos foram brutalmente contidos para garantir mais caixa para pagar os juros que eram carreados para o Brasil A.
Quando esse modelo explodiu, parte do Brasil A dançou -as empresas que acredita- ram na manutenção do câmbio baixo e que viram suas dívidas explodirem e seu mercado encolher-, parte continuou ganhando largamente -os bancos de investimento, que trabalham com captação de dólares.
Como é possível manter um modelo em que a maior parte perde, se comprometem o desenvolvimento e os gastos públicos e apenas um setor muito específico ganha? Simples: criando uma fantasia, a de que, se "matar e esquartejar" a inflação, se aprovarem as reformas tributária e fiscal, se mantiver o superávit fiscal, automaticamente a imagem do país melhora, o risco Brasil cai, voltam o investimento e o financiamento externos e o país retoma a rota de crescimento.
Quando as reformas forem aprovadas, se perceberá que, para garantir o superávit fiscal, aumentou-se estupidamente a carga de impostos sobre as empresas e contiveram-se imprudentemente os investimentos públicos em infra-estrutura, aumentaram-se os passivos das empresas e do Estado e encolheu-se o mercado interno. Ou seja, o tal modelo virtuoso aumentou drasticamente o "custo Brasil", piorou a infra-estrutura, ampliou o endividamento e reduziu o mercado interno. Como é possível ir nessa conversa de que preparou o caminho para a retomada do desenvolvimento?
Em breve irá cair a ficha do PT que o segundo tempo do jogo só será iniciado quando se cortar de vez o nó górdio que sustenta essa armadilha na qual o país se enredou: a vulnerabilidade externa. Tomara que não demore a cair a ficha.

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