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São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

As agências e o poder

PAULO RABELLO DE CASTRO

A evolução dos investimentos diretos estrangeiros no país está descrevendo uma curva parecida com rabo de cavalo. Depois de ascender a píncaros dos US$ 30 bilhões entre 1999 e 2000, encerra o ano corrente com valor acumulado bem inferior aos projetados US$ 12 bilhões. Embora o governo fale em atingir US$ 15 bilhões de absorção de capitais externos de risco no ano que vem, só mesmo o "espetáculo" de uma mudança radical na visão dos estrangeiros sobre a economia brasileira a longo prazo poderia determinar a interrupção do processo de queda gradual na entrada de recursos.
No entanto o Brasil continua precisando como nunca de poupança externa, não só para financiar as necessidades de recursos no seu balanço de pagamentos como para compensar a poupança negativa ("a despoupança") do setor público desequilibrado.
Uma das alegadas razões dessa perda de interesse do capital externo é, obviamente, a diminuição da perspectiva de lucro na maioria das atividades produtivas do país. Ninguém investirá na expectativa de perder. O capital anda atrás de ganhos, cada vez mais escassos nos últimos anos aqui no Brasil, desde que resolvemos ganhar dois campeonatos mundiais -o da maior tributação do mundo sobre os capitais produtivos e o da maior taxa de juros do planeta.
Mas, entre as razões do desinteresse, há também a importante alegação da incerteza regulatória. Nisso se juntam os brasileiros, ao coro dos estrangeiros, ao reclamar da nossa falta de estabilidade nas regras do jogo, principalmente nas "atividades reguladas", ou seja, aquelas, como a telefonia, a exploração de petróleo, gás e térmicas, a geração e distribuição de energia hidrelétrica, que dependem de decisões das agências reguladoras.
O advento de agências como Aneel (energia elétrica), ANP (petróleo), Anatel (telefonia), ANA (águas) foi saudado pela opinião pública especializada como um marco na evolução das instituições públicas brasileiras. Consideradas como instituições "intermédias", na inteligente expressão do jurista Diogo de Figueiredo -quer dizer- instituições a meio caminho entre o poder do Estado e o interesse da sociedade, as agências reguladoras teriam uma estrutura ágil e bastante autonomia, inclusive pelo mandato fixo de sua diretoria, para promover a sadia concorrência e o equilíbrio entre produtores e consumidores nas atividades reguladas, com isso garantindo um ambiente favorável aos investimentos e ao lucro.
O modelo desenhado e adotado na última quadra dos anos 90 parece, no entanto, sofrer mais críticas do que elogios. O novo governo não esperou para aprofundar as críticas e oferecer uma nova legislação que, ao devolver aos ministérios respectivos o poder concedente sobre a exploração das atividades reguladas, praticamente propõe a dissolução do modelo anterior. Agências reguladoras sem poder concedente são pássaros sem asas, que perdem sua razão de ser. O paradoxo é maior, no caso brasileiro, uma vez que o próprio Poder Executivo senta como acionista controlador e delibera nas assembléias de empresas públicas que concorrem com as privadas nas atividades reguladas, usando assim dois chapéus, o de concorrente e o de fiscal da concorrência, agora ameaçando controlar diretamente a entrada de novos atores nesses mercados.
Evidentemente, há nisso uma séria ameaça ao equilíbrio concorrencial e um claro conflito de interesses.
Mas o governo estaria mais interessado, neste momento, em ampliar seu espaço de poder político. Trata-se de um projeto mais vasto e determinante do que o desenho pluriconcorrencial até aqui perseguido pela estrutura original das agências reguladoras.
São dois modelos de Estado interagindo com a sociedade. O destino das agências reguladoras encerra, portanto, uma questão mais ampla do que só a incerteza regulatória dela advinda -por si, já tremendamente importante. O que está em jogo aqui é a discussão de um modelo de relacionamento entre o Estado e a sociedade. Ao tolher e coibir o âmbito das agências, o governo também se propõe a determinar à sociedade os rumos que a ele somente convier. Essa perspectiva é particularmente preocupante quando, do governo, não se conhece ainda seu projeto para o país.


Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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