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OPINIÃO ECONÔMICA
As agências e o poder
PAULO RABELLO DE CASTRO
A evolução dos investimentos diretos estrangeiros no
país está descrevendo uma curva
parecida com rabo de cavalo. Depois de ascender a píncaros dos
US$ 30 bilhões entre 1999 e 2000,
encerra o ano corrente com valor
acumulado bem inferior aos projetados US$ 12 bilhões. Embora o
governo fale em atingir US$ 15 bilhões de absorção de capitais externos de risco no ano que vem, só
mesmo o "espetáculo" de uma
mudança radical na visão dos estrangeiros sobre a economia brasileira a longo prazo poderia determinar a interrupção do processo
de queda gradual na entrada de
recursos.
No entanto o Brasil continua
precisando como nunca de poupança externa, não só para financiar as necessidades de recursos no
seu balanço de pagamentos como
para compensar a poupança negativa ("a despoupança") do setor
público desequilibrado.
Uma das alegadas razões dessa
perda de interesse do capital externo é, obviamente, a diminuição
da perspectiva de lucro na maioria das atividades produtivas do
país. Ninguém investirá na expectativa de perder. O capital anda
atrás de ganhos, cada vez mais escassos nos últimos anos aqui no
Brasil, desde que resolvemos ganhar dois campeonatos mundiais
-o da maior tributação do mundo sobre os capitais produtivos e o
da maior taxa de juros do planeta.
Mas, entre as razões do desinteresse, há também a importante
alegação da incerteza regulatória.
Nisso se juntam os brasileiros, ao
coro dos estrangeiros, ao reclamar
da nossa falta de estabilidade nas
regras do jogo, principalmente nas
"atividades reguladas", ou seja,
aquelas, como a telefonia, a exploração de petróleo, gás e térmicas, a
geração e distribuição de energia
hidrelétrica, que dependem de decisões das agências reguladoras.
O advento de agências como
Aneel (energia elétrica), ANP (petróleo), Anatel (telefonia), ANA
(águas) foi saudado pela opinião
pública especializada como um
marco na evolução das instituições públicas brasileiras. Consideradas como instituições "intermédias", na inteligente expressão do
jurista Diogo de Figueiredo
-quer dizer- instituições a meio
caminho entre o poder do Estado e
o interesse da sociedade, as agências reguladoras teriam uma estrutura ágil e bastante autonomia, inclusive pelo mandato fixo
de sua diretoria, para promover a
sadia concorrência e o equilíbrio
entre produtores e consumidores
nas atividades reguladas, com isso
garantindo um ambiente favorável aos investimentos e ao lucro.
O modelo desenhado e adotado
na última quadra dos anos 90 parece, no entanto, sofrer mais críticas do que elogios. O novo governo
não esperou para aprofundar as
críticas e oferecer uma nova legislação que, ao devolver aos ministérios respectivos o poder concedente sobre a exploração das atividades reguladas, praticamente
propõe a dissolução do modelo
anterior. Agências reguladoras
sem poder concedente são pássaros sem asas, que perdem sua razão de ser. O paradoxo é maior, no
caso brasileiro, uma vez que o próprio Poder Executivo senta como
acionista controlador e delibera
nas assembléias de empresas públicas que concorrem com as privadas nas atividades reguladas,
usando assim dois chapéus, o de
concorrente e o de fiscal da concorrência, agora ameaçando controlar diretamente a entrada de
novos atores nesses mercados.
Evidentemente, há nisso uma
séria ameaça ao equilíbrio concorrencial e um claro conflito de interesses.
Mas o governo estaria mais interessado, neste momento, em ampliar seu espaço de poder político.
Trata-se de um projeto mais vasto
e determinante do que o desenho
pluriconcorrencial até aqui perseguido pela estrutura original das
agências reguladoras.
São dois modelos de Estado interagindo com a sociedade. O destino das agências reguladoras encerra, portanto, uma questão mais
ampla do que só a incerteza regulatória dela advinda -por si, já
tremendamente importante. O
que está em jogo aqui é a discussão de um modelo de relacionamento entre o Estado e a sociedade. Ao tolher e coibir o âmbito das
agências, o governo também se
propõe a determinar à sociedade
os rumos que a ele somente convier. Essa perspectiva é particularmente preocupante quando, do
governo, não se conhece ainda seu
projeto para o país.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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rabellodecastro@uol.com.br
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