São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os objetivos de um Banco Central

LUZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A ata da reunião do Copom do mês de fevereiro não deixa dúvida de que o Banco Central do governo do PT está alinhado com o pensamento mais conservador em relação à função de um Banco Central. Liberado que foi pelo ministro Palocci de sua atribuição de zelar pelo crescimento da economia, a diretoria do BC faz questão de afirmar que sua função está restrita apenas à busca da meta inflacionária fixada para este e o próximo ano.
Essa definição restrita das funções de nossa autoridade monetária foi verbalizada pelo czar da economia brasileira durante os dias críticos que antecederam o Carnaval. A imprensa e o governo deram pouca importância para suas afirmações, apesar de elas terem uma gravidade oceânica para todos nós.
Vivemos hoje, no mundo, intenso debate sobre as verdadeiras responsabilidades de um Banco Central. A realidade de um ambiente institucional em transformação, com um novo paradigma tecnológico que está modificando, de maneira revolucionária, a dinâmica das economias de mercado, está colocando em xeque conceitos tradicionais. Especialistas e políticos refletem sobre essas mudanças e procuram definições de um novo paradigma que se adapte a esses novos tempos.
Uma das questões mais discutidas é a eficiência de um sistema de metas de inflação rígido, como o que temos hoje no Brasil. Alguns questionam sua própria funcionalidade -sejam as metas rígidas ou flexíveis- em uma economia globalizada e com grande abertura comercial e financeira. Isolar uma economia nacional dos problemas conjunturais que ocorrem no mundo exterior é praticamente impossível sem que um custo econômico elevado e sem sentido aconteça.
Por isso, para alguns dos mais importantes pensadores, a autoridade monetária precisa ter elevado grau de discricionariedade para lidar com essas situações e deve levar sempre em consideração os custos em termos de produção e emprego para a sociedade. Em outras palavras, sua missão deve ser a de favorecer com suas ações o crescimento econômico dentro de um quadro de estabilidade de preços.
Outros defendem uma flexibilização das regras associadas ao sistema de metas monetárias para reduzir os custos da política monetária em momentos em que choques externos afetem o sistema de preços de uma economia. Esse é o caso do Banco da Inglaterra, que trabalha hoje com um sistema de metas válidas para um período de dois anos à frente. Não existe compromisso com o calendário gregoriano e o futuro vale mais do que o passado para definir suas ações.
Infelizmente entre nós essas discussões estão longe da opinião pública. Vivemos, já há alguns anos, uma espécie de "zeitgeist", com um certo oficialismo tomando conta do debate sobre a condução da política monetária. Qualquer tentativa de fugir de uma ortodoxia ultrapassada é imediatamente catalogada como uma volta ao passado inflacionário. Mas vou enfrentar esse perigo, como já enfrentei várias vezes no passado, e procurar questionar essa questão da unicidade de objetivos da política monetária de nosso BC.
Como já escrevi nesta coluna, nosso sistema de metas foi criado em um momento de crise extrema. Sua rigidez está associada às incertezas que vivíamos e à improvisação com que ela foi implantada. Em 2000, com o sucesso da estabilização da taxa de câmbio, perdemos a oportunidade de definir regras menos draconianas para a condução da política monetária.
A crise de confiança de 2002 e o fato de o governo do PT ser visto como um cristão novo na condução de uma política econômica ortodoxa não permitiram ao governo Lula tornar mais racional o sistema de metas de inflação em seu primeiro ano de governo. E tudo continuou igual mais uma vez!
Agora, no meio da crise política que está vivendo, ele decide radicalizar seu compromisso com o sistema de metas herdado dos anos FHC para enfrentar as turbulências do mercado. O resultado dessa opção política será a manutenção dessas regras por todo o mandato do presidente. Com isso, as possibilidades de termos um período de alto crescimento econômico nos próximos anos ficam muito reduzidas. A levar a sério as informações contidas na ata recém-publicada, devemos considerar a hipótese de manutenção das atuais taxas de juros por um período de mais alguns meses e a redução da velocidade de recuperação da economia.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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