São Paulo, sábado, 27 de março de 2004

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LUÍS NASSIF

A conversão tardia

Nesta semana, economistas de diversas linhas saudaram o avanço do Banco Central. A brilhante vanguarda de sargentos do exército do dr. Meirelles escreveu a ata do Copom (Comitê de Política Monetária) aceitando o óbvio: contra choques de oferta -como elevação do câmbio, de preços de commodities, altas sazonais de alimentos- e contra preços administrados -como tarifas e impostos-, a política monetária tem efeito mínimo.
O organismo econômico e social brasileiro parece um doente grave, com irrupções por todo o corpo. Escândalos pontuais viram crises desestabilizadoras, greves pipocam por todos os lados, a vontade de acreditar dos empresários virou fumaça, o desalento toma conta de todos os setores, a base de apoio do governo se esfacela.
O início dessa virada foi uma ata do Copom, na qual o pensamento de planilha matou o pequeno renascimento da esperança ao decretar que, mesmo contra todas as evidências, a inflação era um lobisomem ainda a ser exorcizado. O mundo veio abaixo porque se constatou que a autoridade incumbida de administrar as expectativas não era dotada de racionalidade econômica.
Não apenas os críticos como até os economistas de mercado enxergavam mero aumento sazonal no que o BC tratava como recomeço de surto inflacionário. Passada a fase sazonal, os índices começam a cair, como era previsível.
As expectativas positivas foram destruídas, criou-se ameaça concreta de governabilidade, e agora surge a nova ata do Copom reconhecendo que as altas eram sazonais ou fruto de choques de oferta e que eventos dessa natureza não podem condicionar decisões de política monetária. E ficamos todos saudando a conversão do Banco Central ao bom senso, sem atentar para o custo que sua atitude anterior gerou.
A sucessão de erros do Banco Central vem se acumulando desde o ano passado, da incapacidade de perceber as inflexões da economia -em maio do ano passado não conseguiram perceber a economia derretendo- à incapacidade de articular expectativas. À irresponsabilidade da ata anterior do Copom se seguiu a decisão de reduzir os juros em 0,25 ponto percentual, desnorteando todos os que passaram a acreditar nessa ata como se fosse um dos segredos de Fátima.
Agora fica o país inteiro, faminto por governabilidade, tentando tirar pontos positivos nesse reconhecimento tardio do erro. Para conseguir que o Banco Central começasse a recompor reservas, foi um parto, que custou imenso desgaste.
O troco do Banco Central foi a ata irresponsável, uma chantagem para balançar as expectativas e alertar o governo de que tem o controle do jogo. Foi necessário um incêndio de proporções grandiosas para uma autocrítica.
No ano passado, havia um quadro político e econômico, interna e externamente, favorável. Agora, está começando o jogo pesado. Uma operação que exige um cirurgião está nas mãos de residentes. Quando terminarem de se formar no Banco Central, terão que praticar o conhecimento adquirido em outras plagas. Por aqui, não vai ficar pedra sobre pedra.


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