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OPINIÃO ECONÔMICA
O cesto dos ovos em pé
VINÍCIUS LUMMERTZ
No capitalismo de verdade, banco existe para emprestar dinheiro a quem estiver
disposto a abrir seu negócio e
produzir riqueza geral. Aliás, não
estaríamos aqui -eu escrevendo
e você lendo- se banqueiros que
acreditaram que a aventura humana é um bom negócio não tivessem financiado o homem que
botou o ovo em pé.
O negócio financeiro implica lucro, mas também risco: uma
aposta certa significa acúmulo de
capital, mas uma errada pode levar a empresa à bancarrota. No
capitalismo à brasileira, contudo,
não há crédito para a produção e
o desenvolvimento, nem risco para o banqueiro -que só consegue
perder dinheiro se for incompetente demais ou ganancioso em
excesso.
Entre nós o negócio bancário se
limita a emprestar dinheiro ao governo, engordando as próprias
burras com juros escorchantes. O
financiamento do déficit público
tornou-se uma megagalinha com
ovos de ouro, enquanto o restante
do sistema produtivo vegeta à sua
sombra.
Em um ambiente distorcido como esse, a concentração de praticamente todas as instituições financeiras em São Paulo foi o passo natural, que terminou atropelando quaisquer bancos regionais
ou locais, dizimando também a
concorrência, hoje limitada a um
convescote de compadres. Esses
compadres tornaram-se grandes,
ricos e poderosos, capazes de exterminar os temerários que se
aventurem a entrar no ramo, porque nunca o Estado impôs limites
ao sistema que acabou tomando
conta da casa, diferentemente dos
EUA, onde os bancos foram mantidos dentro das fronteiras estaduais. Lá, a concentração bancária resultante da globalização financeira não impediu a permanência de quase 10 mil bancos
nem extinguiu os bancos regionais e locais. Curiosa ciranda: os
grandes de lá, respeitando as regras internacionais, brigam com
os grandes daqui. Que bom que
temos grandes aqui. A doença é
que os grandes de lá e os grandes
daqui -aqui- não dão nem a
mínima para a tribo dos pequenos de Pindorama.
Nos EUA foi criado um sistema,
apoiado no Small Business Administration (SBA), com mais de
8.000 bancos, os "lenders" (agentes de crédito), que operam recursos para atender apenas pequenas
empresas, com fundos de aval lastreados pelo Tesouro americano,
que giram US$ 12 bilhões/ano. O
tal livre mercado, lá, tem dessas
coisas: micro e pequenas empresas têm acesso a crédito com aval
do governo, direito a uma reserva
de mercado de 23% das compras
governamentais e recursos a fundo perdido para desenvolvimento
de tecnologia.
É, o Tio Sam também tem coisas
boas a ensinar. O problema é que
ninguém nos conta. Por que ninguém fala disso? Repito: a quem
interessa não falar disso?
A solução tentada pelo governo
brasileiro de fazer política industrial com um agente estatal -o
BNDES- tem sido prejudicada
pela concentração dos bancos privados. O BNDES virou pronto-socorro de grandes empresários.
Quando o grande quer investir,
tem; quando o pequeno quer
crescer, corta da própria carne,
raspa o fundo do tacho, metendo
a mão no seu capital de giro.
Pesquisa recente do Sebrae
comprovou com estatísticas aquilo que qualquer pequeno ou médio empresário brasileiro está careca de saber: banco não gosta de
emprestar dinheiro para quem
precisa dele. Quando muito, empresta, sim, mas exatamente para
quem dele não precisa. O crédito
não passa pelos bancos, mas sem
eles, pois a principal opção de financiamento é cada vez mais o
pagamento de fornecedores a
prazo, cujo percentual subiu de
55% na década passada para 64%
hoje. Enquanto o empréstimo de
bancos privados caiu de 18% para
7%, em bancos oficiais a queda foi
de 7% para 3%. Não conheci o
tempo, mas sei de ouvir falar que
gerente de banco já viveu de emprestar dinheiro neste país. Felizmente, o recurso a agiotas, que
chegou no passado a 8%, caiu
também para 3%, o cheque pré-datado subiu de 41% para 47%, o
cheque especial ou cartão de crédito, de 25% para 27%, e o desconto antecipado de duplicatas
mantém-se em 14%.
O nosso capitalismo sem crédito é único no mundo, conforme
comprova estudo recém-realizado pela Associação Nacional dos
Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac),
segundo o qual apenas 28% do
PIB está disponível para crédito,
enquanto na Indonésia o percentual vai a 51%; nos Estados Unidos, a 71%; na Coréia, a 74%; na
Tailândia, a 115%; no Japão, a
116%, e na Alemanha, a 123%.
Aqui a criação e a expansão das
atividades produtivas, sobretudo
dos pequenos negócios, dependem exclusivamente do engenho
e da coragem do empreendedor,
que não conta com o apoio, garantido nos Estados Unidos, pelas
instituições bancárias.
Para integrar o Brasil a essa nova realidade, o Sebrae se propõe a
fazer o papel do SBA nos Estados
Unidos, precisando para tanto, é
claro, convencer o Banco Central
da necessidade de permitir a criação de uma rede de pequenos
bancos regionais e locais para financiar as micro e pequenas empresas. Os recursos do Sebrae não
seriam suficientes para bancar essa proposta. Precisamos de parceiros. BID, BNDES, Banco Mundial, CEF e BB teriam que participar. Nossos agentes de crédito só
emprestariam até determinado
valor, coberto por um novo aval
do Sebrae, acima do qual só estariam autorizados a operar os bancos tradicionais.
O Banco Central, que mostrou
sensibilidade ao criar as sociedades de apoio aos microempreendedores há um ano, pode agora
ajudar o país a reformar um capitalismo deformado, que não é
amado, que não tem admiradores
e com poucos sócios. Um capitalismo de minorias. No Procon da
nossa história, o que temos aí veio
com defeito.
Vinícius Lummertz, 40, cientista político, é diretor técnico do Sebrae Nacional.
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