São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

A insulina e a operação Vampiro

Em uma página do jornal, o ministro da Integração Regional, Ciro Gomes, acusa o ex-ministro da Saúde José Serra de ter manipulado uma licitação de compra de insulina para prejudicar a mineira Biobrás. Na mesma página, uma reportagem informa que uma funcionária do Ministério da Saúde está sendo acusada de ter beneficiado irregularmente a Biobrás em uma outra licitação de compra de insulina.
Se a cobertura brasiliense do episódio pudesse parar um minutinho para se planejar e parar de sair atirando no que vê e no que não vê, se as autoridades parassem com esse oportunismo de caça às bruxas, de sair acusando dezenas e dezenas de funcionários, poderiam-se separar alhos de bugalhos, questões policiais de questões legais, e ir ao que interessa: a não-utilização, pelo governo, da capacidade de compra do Estado para estimular empresas nacionais.
O "escândalo" divulgado ontem por Ciro Gomes não existe. Houve uma licitação para a compra de insulina no Ministério da Saúde. A Biobrás produz insulina e é competitiva, mas paga impostos na produção interna, enquanto os concorrentes importados eram isentos -uma excrescência tributária. Ocorre que existe uma Lei das Licitações que obriga a que se aceite o menor preço. Se Serra tivesse seguido a razão, considerado o diferencial de impostos, a Biobrás teria vencido e o ex-ministro seria denunciado por ter ferido a Lei das Licitações, como está sendo a funcionária que seguiu a lógica, na nova licitação, mas feriu a lei.
Praticamente todos os países desenvolvidos utilizam as compras governamentais para o desenvolvimento ou a reestruturação de setores considerados estratégicos. A medida provisória sobre estaleiros é típica dessa prática, que tem que ser utilizada com discernimento e impessoalidade, mas é ferramenta legítima de desenvolvimento.
Os Estados Unidos utilizam esse instrumento desde 1933, regulamentado por meio do "Buy American Act". As agências governamentais são proibidas de comprar bens e serviços de empresas estrangeiras, e há níveis mínimos de conteúdo local que devem ser atendidos nas compras e são definidos termos preferenciais de preços para as empresas locais. Também há tratamento diferenciado para as pequenas empresas, regulamentado por meio do "Small Business Act", de 1953. A lei determina que aquisições entre US$ 2.500 e US$ 100.000 devem ser reservadas às micro e pequenas empresas.
A política industrial apresentada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior não aborda esse tema. Apesar disso, a compra pelo Estado é citada no projeto de Lei de Inovação, encaminhado ao Congresso no final do mês de abril. O artigo 20, na prática, viabiliza uma espécie de política de "compras governamentais", apoio ao desenvolvimento tecnológico industrial, mesmo que de maneira restrita à compra de serviços e pesquisa e desenvolvimento, explica Carlos Pacheco, ex-secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia e pesquisador da Unicamp.
No caso da insulina, a discussão relevante é essa, e não ficar criando denúncia onde não existe o escândalo.

SDE
O secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Daniel Goldberg, informa à coluna que, em vista dos argumentos levantados aqui ontem -de que há que se identificar a razão da diferença de preços nos hemoderivados, para saber se houve irregularidades no passado-, instaurou um inquérito para que sua equipe possa analisar tecnicamente o mercado, a fim de impedir acusações sem embasamento técnico.

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