São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Celso Furtado

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ontem completou 80 anos o nosso grande economista -Celso Furtado. Desde os anos 50, Furtado vem fazendo contribuições decisivas para a formação do pensamento econômico brasileiro e latino-americano. Poucos podem se comparar a ele em matéria de criatividade, independência e vigor intelectual. Tornou-se uma figura emblemática. Nas últimas décadas, fortemente marcadas pela reação antikeynesiana e antidesenvolvimentista, Furtado não recebeu a atenção e o reconhecimento que merece. Teve que suportar, mais ou menos isolado, o enfraquecimento da linha de pensamento econômico que ajudara a construir. Uma linha de pensamento cuja finalidade central sempre foi a busca do desenvolvimento nacional e da justiça social.
Historicamente, economia nunca figurou entre nossos pontos fortes. Não se pode dizer que, nessa área, a criatividade brasileira tenha se manifestado com grande intensidade. Ao contrário, no Brasil, a pesquisa e o ensino de economia se caracterizaram em geral pela reprodução acrítica de modelos importados da Europa e, depois da Segunda Guerra Mundial, dos Estados Unidos.
Mas a geração de Furtado rebelou-se contra esse estado de coisas. Enfrentando grandes dificuldades e resistências, fizeram o possível para estabelecer e consolidar uma reflexão autônoma sobre os problemas do desenvolvimento econômico.
As gerações subsequentes de economistas não souberam dar continuidade a esses esforços. É notável o contraste entre a obra de Furtado e as tendências hoje predominantes nos meios acadêmicos brasileiros.
Sob muitos pontos de vista, houve empobrecimento e retrocesso. Os economistas sucumbiram à sedução dos modelos abstratos, produzidos no exterior, e distanciaram-se dos problemas nacionais. Por não exercitá-la, muitos perderam a capacidade de pensar. Para usar as palavras do próprio Furtado, ficaram apegados aos "produtos enlatados" que estão na base do prestígio do saber acadêmico.
Não se conseguiu, entretanto, sufocar a tradição de Furtado e suprimir a sua influência. São muitos os que admiram o seu trabalho e procuram seguir o seu exemplo.
Nem todos esqueceram que a pesquisa pressupõe autonomia e independência de espírito. Como escreveu Furtado em livro recente ("O Capitalismo Global", editora Paz e Terra, 1998), o pesquisador precisa saber combinar dois ingredientes: imaginação e coragem para arriscar na busca do incerto. "A ciência", lembra ele, "é construída por aqueles que são capazes de ultrapassar certos limites hoje definidos pelo mundo universitário".
Não é fácil levantar recursos para financiar atividades de pesquisa preservando a independência na definição e tratamento dos problemas. Mas, no estágio de desenvolvimento alcançado pelo Brasil, já existem recursos para apoiar o desenvolvimento do ensino e da pesquisa. O que falta muitas vezes é a disposição de inovar e usar a imaginação, observa Furtado.
Diante do fracasso evidente das políticas econômicas dos últimos dez anos, inspiradas por enganosos "consensos" internacionais, a voz de Celso Furtado se fará ouvir com mais força e clareza. Os economistas brasileiros têm todas as razões para voltar a pensar com independência, retomando a preocupação com os problemas do Brasil e do seu povo.
Não é pedir muito. Afinal, como recorda Furtado, "o perigo já não é o da fogueira, como na época de Galileu, mas o de deixar-se corromper ou seduzir por prebendas".


Paulo Nogueira Batista Jr., 45, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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