UOL


São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMÉRCIO EXTERIOR

Na miniministerial do Canadá, temor é que UE e EUA "deixem de fora" os grandes produtores agrícolas

Minirreunião da OMC é último esforço para salvar Rodada Doha

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Vinte e cinco países (entre eles o Brasil) mais a União Européia fazem a partir de amanhã, em Montréal, o último e quase desesperado esforço para salvar do fracasso a Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), marcada para setembro em Cancún.
Trata-se da terceira conferência miniministerial deste ano, o que por si só já é uma indicação do desespero que toma conta dos países-membros da Organização Mundial do Comércio ante o bloqueio das negociações da chamada Rodada Doha de Desenvolvimento.
Miniministeriais são uma forma de fugir das discussões em pauta com o total de países-membros da OMC (145), o que torna o processo negociador necessariamente complexo (não há votação, mas consenso).
Ao fazer a terceira miniministerial consecutiva, a OMC demonstra que nem em grupos menores se consegue desfazer o nó que ameaça levar ao fracasso a Ministerial de Cancún (ministeriais são a instância máxima da OMC).

Questão agrícola
O problema central a ser discutido em Cancún é a liberalização agrícola, a mesma que vem paralisando avanços nas negociações comerciais.
Para Montréal, no entanto, houve um tímido avanço: a União Européia, sempre considerada a grande vilã em matéria de protecionismo agrícola, anunciou modificações na sua política interna, de tal forma que os subsídios agrícolas não mais estarão vinculados à produção.
Ou seja, o agricultor europeu receberá recursos oficiais mesmo que não chegue a plantar um pé de capim sequer.
Em tese, a produção diminuirá e não sobrará excedente para exportar, sempre com subsídios, para outros países. É a exportação subsidiada que mais incomoda países como o Brasil, por ver o acesso de seus produtos bloqueado pela entrada de bens europeus protegidos pelo portentoso Tesouro da União Européia.
O problema é que a nova política interna ainda não se traduziu em posição negociadora na OMC. Montréal é a melhor oportunidade para os europeus apresentarem uma proposta capaz de atender às insistentes e já antigas reivindicações dos grandes produtores agrícolas.
Montréal é também a chance para que os Estados Unidos reajam tanto à nova política interna européia como a uma eventual proposta no âmbito da OMC.
Como Europa e Estados Unidos são, de longe, as duas grandes usinas econômicas e comerciais do planeta, da posição dos dois depende o sucesso ou o fracasso de qualquer negociação.
Mas o temor dos países produtores é o de que União Européia e Estados Unidos repitam o chamado acordo de Blair House. Foi o entendimento entre os dois grandes que permitiu desbloquear a Rodada Uruguai, a que precedeu Doha. Mas o desbloqueio se fez em detrimento de países como o Brasil, grande produtor e exportador agrícola, mas sem o peso político dos ricos.
"Há de fato um cheiro de Blair House no ar, mas a situação agora é diferente", diz o embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa, chefe da missão brasileira em Genebra, QG da OMC e de outros organismos internacionais.
A diferença está dada pelo fato de que "é impossível, hoje, conviver com o protecionismo agrícola tal como está", completa o embaixador brasileiro.
É razoável supor que a pressão, no Canadá, estará mais centrada nos Estados Unidos. Como disse a primeira-ministra Helen Clark, da Nova Zelândia, na recente reunião da "Governança Progressista", a Europa apresentou uma mudança, que pode ser tímida e tardia, mas é uma mudança. Agora, é a vez dos Estados Unidos.
A Nova Zelândia é um dos mais ativos e influentes países do Grupo de Cairns, formado pelos grandes produtores agrícolas, Brasil inclusive.
Os canadenses montaram a reunião de Montréal de uma maneira criativa: em vez de dividir a agenda pelos temas que compõem a Rodada Doha, o que certamente reproduziria os impasses das miniministeriais anteriores, preferiram um formato mais abrangente, quase filosófico.
O encontro terá quatro temas, que se entrecruzam: como avançar nas negociações; quais as ambições da Rodada Doha; questões ligadas ao desenvolvimento em geral (a Rodada leva Desenvolvimento no nome); e o equilíbrio geral da negociação.
Seixas Corrêa acha bastante "criativo" o modelo, mas não está seguro de que seja capaz de apresentar resultados.
"É preciso que Montréal tenha um efeito energizante, que só pode ser dado por uma abertura clara na área agrícola", diz o embaixador.
Se a energia não surgir, não haverá mais tempo para dissolver os impasses em Genebra, já que a OMC pára de funcionar em agosto (férias de verão). Ou seja, vai se chegar a Cancún, em setembro, com um excesso de questões a serem resolvidas, o que é um convite ao fracasso, justamente na arena de negociações comerciais que o Brasil elegeu como a principal.


Texto Anterior: Mercados e serviços: Se não for ampliado, prazo do Refis acaba 5ª
Próximo Texto: Trabalho: Com dois discursos, Volkswagen acirra conflito com sindicalistas
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.