São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


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Crescimento da economia muda o perfil de consumo

OSCAR PILAGALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma combinação de fatores associados à incipiente recuperação da economia está alterando o perfil de consumo do brasileiro, o que pode, na hipótese menos favorável, causar desequilíbrios na estrutura industrial e pressionar as contas externas do país.
O maior acesso ao crédito, os juros mais baixos, o desinteresse pela caderneta de poupança, a recuperação parcial do poder de compra do real, a perspectiva de queda do desemprego e até o repique inflacionário -a soma de tudo isso está empurrando o consumo na direção dos bens de maior valor, os chamados bens duráveis.
"Há indicadores esparsos de um movimento nesse sentido, mas os sinais ainda não são conclusivos", avalia João Paulo dos Reis Velloso, superintendente-geral do Instituto Nacional de Altos Estudos.
Para ele, o fenômeno ainda é muito recente para provocar uma resposta mais efetiva da indústria. "No primeiro momento, as indústrias podem aumentar a produção, mas aumentar a capacidade produtiva é outra história."
Reis Velloso acha que os fabricantes, principalmente os de artigos eletroeletrônicos, estão mais cautelosos depois de, no passado recente, terem enfrentado grande capacidade ociosa após investirem pesado para acompanhar uma explosão nas vendas que não se mostrou sustentável.
"É compreensível que hoje a aposta da indústria seja mais cuidadosa", concorda o economista Paulo Mallmann. Ele lembra que a disparada das vendas de fogões e aparelhos de televisão depois do Plano Real foi abruptamente interrompida em meados de 1997, quando o Brasil sentiu os efeitos da crise cambial asiática. "O aumento da capacidade instalada será mais gradual", prevê ele.
O impacto da retomada do crescimento sobre a indústria de bens de consumo tem sido desigual. Os produtos de maior valor, que dependem do crédito, estão vendendo bem, ao contrário dos de menor valor, que dependem da renda do trabalhador.
É ilustrativa a comparação entre o mercado de televisores e o de produtos de supermercado. Enquanto o primeiro é marcado pela possibilidade de escassez ainda neste ano, o segundo registra queda nas vendas (quase 2% nos primeiros sete meses em relação ao mesmo período do ano passado).
Esse comportamento da demanda determina a produção industrial. No caso de bens duráveis (que inclui carros e eletrodomésticos), a produção cresceu 22,1% no primeiro semestre sobre os primeiros seis meses do ano passado. No caso de bens não-duráveis (que inclui alimentos e vestuário), a produção ficou praticamente inalterada, com variação negativa de 0,8%, segundo a Confederação Nacional da Indústria.
Para Mallmann, o que reduz o consumo de bens de menor valor é a corrosão do poder aquisitivo do trabalhador. A elevação das tarifas públicas, dos pedágios e dos combustíveis acaba comprometendo parte da renda antes destinada ao consumo de produtos.
Quanto à venda de bens duráveis, são sustentadas pelo crédito. De maio para junho, de acordo com o último dado disponível do Banco Central, o crédito para a aquisição de bens subiu 6,2%, para R$ 12,5 bilhões.
O volume de crédito aumentou não apenas porque os juros estão mais baixos, mas principalmente porque os prazos de financiamento estão maiores, o que diminui a prestação.
"A combinação de estabilidade econômica, perspectiva de renda maior e financiamento mais longo encoraja os consumidores", diz Henrique Pereira Gomes, presidente da Acrefi, entidade que reúne 60 instituições financeiras em todo o país.
Para Paulo Mallmann, a taxa de juro mais baixa tem um efeito adicional sobre o consumo: ela desestimula a poupança pessoal, que em parte se transforma em consumo antecipado.
Parte da demanda, no entanto, é atendida pelos importados, que ganharam competitividade com a estabilidade do câmbio num período, os últimos 12 meses, em que a inflação chegou a 7%.



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