São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O neo-otimismo oficial

ALOIZIO MERCADANTE A desvalorização do real em janeiro do ano passado, conforme era previsto, criou condições para um relativo crescimento da economia e das exportações (embora também das importações), o que deu margem para um novo surto de otimismo do governo. Como no passado, volta-se a falar em um ciclo "virtuoso" de crescimento sustentado, passando-se por alto, mais uma vez, o fato de que as restrições estruturais ao crescimento agravadas pelo atual modelo econômico -a insuficiência da taxa de investimento e a dependência do capital externo- não foram ainda sequer equacionadas. Isso para não falar nos estrangulamentos gerados pelo atraso na atualização da infra-estrutura, do qual o contexto de pré-crise energética é só uma amostra.
Vários fatores têm contribuído para manter em níveis medíocres a taxa de investimento. O mais óbvio é a retração do investimento público produzida pelo ajuste fiscal (o nível de investimento do governo programado para 2000 é ridículo -em torno R$ 10,2 bilhões, ou seja, menos de 1% do PIB nominal).
Mas também são relevantes a estagnação do investimento privado produtivo e a orientação do investimento direto estrangeiro, cuja maior parte foi dirigida à compra de ativos preexistentes (via privatizações e aquisições e fusões de empresas privadas nacionais), pouco contribuindo para a expansão da capacidade de produção do país. Não por acaso, apesar do investimento estrangeiro ter aumentado seis vezes entre 1995 e 1999 (foram cerca de US$ 30 bilhões no ano passado), a taxa de investimento da economia pouco se alterou, passando de 16,6% para 17,2% do PIB.
As necessidades globais de financiamento externo, embora menores do que em 1999, permanecem em níveis elevadíssimos, devendo situar-se, neste ano, na casa dos US$ 54 bilhões (US$ 30 bilhões de amortizações da dívida e um déficit nas transações correntes em torno de US$ 24 bilhões).
A entrada de investimentos diretos estrangeiros alivia, mas não modifica esse quadro. Isso porque tende a reproduzir e ampliar, a médio prazo, os desequilíbrios estruturais nas contas externas por meio do aumento das remessas de lucros. Essas cresceram, em termos brutos, 92% entre 1994 e 1999, passando a representar, nesse último ano, 11,5% das exportações.
Por outro lado, o aumento do endividamento externo envolve uma crescente carga com juros, equivalente, em 1999, a 36% das receitas de exportação. Ou seja, em termos brutos, juros mais remessas de lucros consumiram, no ano passado, quase 48% das exportações. Esse é o custo atual do esquema de financiamento externo da economia adotado pelo governo, e que tende a aumentar.
A superação dessas restrições implicaria um enorme esforço de aumento das exportações e de substituição de importações que até agora não se materializou. Isso está relacionado a vários fatores: 1) o direcionamento do investimento direto estrangeiro, na sua maior parte, para setores que não contribuem diretamente para a expansão das exportações (mais de 75% do fluxo nos anos recentes concentrou-se no setor de serviços); 2) a permanência de uma pauta de exportações pouco diversificada e composta, na sua maior parte, por produtos de demanda pouco dinâmica (básicos e semi-manufaturados), sujeitos a frequentes oscilações de preços tendencialmente negativas (segundo estudo recente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), somente 29% das exportações correspondem a situações dinâmicas, em que aumenta nossa participação em mercados em expansão; os restantes 71% são produtos cujo comércio internacional está regredindo); 3) a retração ou instabilidade de alguns mercados aos quais se destina parte importante das exportações de produtos manufaturados (caso da Ásia e da América Latina); 4) o esgotamento da capacidade instalada de alguns setores, o que significa que a aceleração do crescimento envolve, pelo menos numa fase inicial, a queda das exportações e/ou o aumento das importações; e 5) a forte substituição de componentes, insumos e equipamentos nacionais por similares importados ocorrida ao longo do período 1995/98, que elevou e tornou mais rígido o coeficiente de importações, principalmente naqueles segmentos integrados a cadeias globalizadas de produção em grande escala.
O país dispõe dos recursos e das capacidades para retomar a rota do crescimento sustentado. Isso, porém, requer muito mais do que discursos otimistas. Requer a implementação de uma agenda positiva que, ao contrário do que faz o atual governo, privilegie os interesses nacionais e as necessidades básicas de nossa população. Requer revitalizar o investimento público para viabilizar a expansão da infra-estrutura econômica e social necessária ao desenvolvimento; implementar uma política agressiva de exportações e substituição de importações, que permita gerar saldos comerciais crescentes; disciplinar os fluxos de capital e outros itens que oneram as transações correntes do balanço de pagamentos; reconstruir o sistema de financiamento interno da produção e do investimento de longo prazo; reverter os processos de precarização do emprego e de concentração de renda, para potencializar a expansão e reestruturação do mercado interno e avançar na liquidação da nossa imensa dívida social.
Sem uma mudança radical do atual modelo econômico não haveria desenvolvimento sustentado; somente bolhas de crescimento, que preanunciam novos ajustes recessivos, num ciclo perverso de empobrecimento do país e de fragilização e desnacionalização da sua economia, como aliás se verificou ao longo do governo FHC, a despeito do seu neo-otimismo.


Aloizio Mercadante, 46, economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, foi candidato à vice-Presidência da República com Lula em 1994; é deputado federal e líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados.
www.mercadante.com.br
dep.mercadante@camara.gov.br



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