São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


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A Operação Panamericana

LUÍS NASSIF

Nos próximos anos, a diplomacia brasileira enfrentará seu mais importante desafio. Administrar os desequilíbrios da Argentina, aproximar-se do México, costurar uma política de alianças latino-americana, consolidando o Mercosul, antes que o Brasil seja absorvido pela Alca -o bloco econômico liderado pelos EUA.
Essa ousadia diplomática tem suas raízes 42 anos atrás, no "gordinho sinistro", o poeta e empresário Augusto Frederico Schmidt, cunhado de Jayme Ovalle (autor de "Modinha" e "Azulão"), o homem mais influente do governo JK e que, em 1958, lançou as bases da Operação Panamericana (OPA), a primeira tentativa de uma política diplomática independente no continente. Antes, o vice-presidente Richard Nixon havia sido recebido a ovo podre no Peru e, provavelmente por falta de ovo, a pedrada na Venezuela.
JK andava perdido, precisando se apresentar na Organização dos Estados Americanos. Schmidt era seu "ghost writer" predileto. JK lhe encomendara uma carta para o presidente americano, Dwight Eisenhower. Analisando a omelete peruana, Schmidt pensou em alertar para os riscos de uma ampliação do distanciamento entre os EUA e a América Latina, constatando que apenas o desenvolvimento da região a manteria aliada aos valores cristãos e ocidentais. Para tanto, seria necessário uma política de desenvolvimento, substituindo o assistencialismo que sempre marcou as relações americanas com o continente.
Trabalhou na carta o diplomata João Paulo do Rio Branco. Mais tarde, Schmidt chamou o também diplomata Celso de Souza e Silva para ajudar a traduzir a carta para o inglês. Celso convidou o colega Araújo Costa, que tinha um inglês mais seguro do que o seu, e Alfredo Valadão. Em seguida, foi a vez do embaixador Sette Câmara, chefe de gabinete de JK, e do chanceler Negrão de Lima -estava constituído o grupo que o jornalista Carlos Lacerda passou a denominar de "petit Itamaraty" e que ditaria a política externa brasileira no governo JK. O que parecia um improviso audacioso ganhou impacto quando Eisenhower respondeu à carta e enviou ao Brasil seu subsecretário Ruboton para conhecer melhor o pensamento do governo.
Em decorrência do primeiro contato, vieram em seguida John Foster Dulles e Thomaz Mann -posteriormente o homem mais importante do Departamento de Estado. Houve uma reunião entre assessores para preparar um comunicado conjunto da visita de Dulles -JK teria um encontro com Dulles para acertar os termos finais. O encontro foi no Palácio Laranjeiras. Era para ser breve, mas acabou se esticando noite afora. JK trancou-se numa sala com Dulles e o tradutor. Na sala do Gabinete Civil, ficaram o caçula do grupo, Celso Souza e Silva, e Autran Dourado, escritor.
Combinou-se então uma reunião em Washington, com chanceleres ou representantes pessoais de 20 países da América Latina. A delegação brasileira foi chefiada por Schmidt e instituiu-se o "Comitê dos 21" da Operação Panamericana. Os improvisos ganhavam forma.
A idéia central era a de que a OPA se constituísse numa espécie de Plano Marshall para a América Latina. A reunião logrou inclusive acertar um programa que seria discutido na reunião seguinte do Comitê, em Buenos Aires. Dulles não compareceu, mas enviou Thomaz Mann, num encontro em que a grande estrela foi o recém-empossado presidente cubano, Fidel Castro. Houve mais uma reunião em Bogotá, onde o representante americano foi Christian Heart. Em Bogotá obteve-se o único resultado concreto: a criação do Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), uma vitória doutrinária dos latinos, já que os EUA não admitiam falar em planejamento.
A OPA serviu de base para a tese do não-alinhamento automático com os EUA. Quando terminaram os governos JK e Eisenhower, Kennedy e Jânio inverteram o sinal. Do lado do Brasil, não interessava a Jânio prestigiar uma iniciativa de JK. Muito menos o novo chanceler Afonso Arinos. A saída encontrada foi o lançamento da Aliança para o Progresso, que permitiu aos EUA recuperar a iniciativa, conferindo ao programa um aspecto muito mais assistencial.

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