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OPINIÃO ECONÔMICA
Apressado come cru
BENJAMIN STEINBRUCH
Sempre que houver dúvidas
sobre o comportamento do
atual governo, vale a pena ler a
"Carta ao Povo Brasileiro", assinada pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva em 22 de junho do
ano passado. Naquele momento,
o país vivia uma crise angustiante. Desenhava-se, pela primeira
vez, a possibilidade concreta de o
PT ganhar as eleições presidenciais, o que provocava enorme
conturbação nos mercados financeiros, com alta do dólar e saída
de capitais.
Essa carta é uma súmula dos
compromissos assumidos por Lula, uma espécie de "minibíblia"
que não pode ser renegada pelo
governo, sob pena de decepcionar
53 milhões de eleitores. Por isso,
na semana passada, quando o
Banco Central, na primeira reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), decidiu aumentar
a taxa básica de juros, reli o documento.
Lula diz o seguinte: "Superando
a nossa vulnerabilidade externa,
poderemos reduzir de forma sustentada a taxa de juros. (...) Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à
inflação, mas acompanhado do
crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda.
(...) A volta do crescimento é o
único remédio para impedir que
se perpetue um círculo vicioso entre metas de inflação baixa, juro
alto, oscilação cambial brusca e
aumento da dívida pública".
À luz desses compromissos,
soam inadequadas algumas declarações irônicas, feitas por alguns depois que o Copom elevou
em 0,5 ponto percentual a taxa de
juros na semana passada. Essa
medida não contraria os princípios da carta nem em relação aos
juros nem em relação ao crescimento da economia, embora tenha desapontado os mais apressados.
Quem analisou com cuidado o
comportamento do Banco Central pôde observar diferenças fundamentais em relação ao passado. O trecho mais sugestivo do documento que o Banco Central enviou ao ministro Antonio Palocci
Filho para se desculpar pelo não-cumprimento da meta inflacionária de 2002 e para ajustar a
meta de 2003 para 8,5% refere-se
ao crescimento econômico. O documento diz que, se o BC tentasse
manter a meta de inflação de
6,5% (limite superior) neste ano,
haveria uma recessão de 1,6%. Se
fosse ainda mais rigoroso e tentasse reduzi-la a 4% (centro da
meta), teríamos uma quase depressão, de 7,3%.
Quem quiser conferir a diferença entre o comportamento do BC
atual e o anterior pode ir ao site
do Banco Central e consultar um
documento enviado pelo BC ao
então ministro da Fazenda, Pedro Malan, em 16 de janeiro de
2002, texto que é irmão gêmeo
desse remetido agora por Henrique Meirelles a Palocci. O objetivo
era o mesmo: desculpar-se pelo
não-cumprimento da meta inflacionária. As preocupações reveladas no documento de 2002, porém, eram estritamente monetárias. Houve apenas duas menções
passageiras ao nível de atividade
e nenhuma projeção explicita sobre o efeito da política de juros na
taxa de crescimento do ano.
Isso não significa que o BC de
Armínio Fraga não trabalhasse
com projeções para o crescimento.
Certamente fazia isso. Mas a diferença é que, no BC atual, a preocupação com o PIB é explícita.
Talvez o aumento de 0,5 ponto
na taxa de juros da semana passada nem fosse necessário ou tenha impacto quase nulo na economia. De qualquer forma, por
ter sido decidido logo na reunião
de estréia do Copom sob nova
gestão, serviu para mostrar ao
mercado que aumentar juros não
é tabu para o governo Lula.
O que se espera de qualquer
Banco Central é a autonomia para elevar e baixar os juros sempre
que considere necessário. Espera-se, igualmente, uma atuação cuidadosa para que os estragos da
política monetária não sejam excessivos.
Na semana passada, o BC considerou que, sem fugir ao compromisso com a estabilidade, poderia
aceitar uma inflação um pouco
maior para que os juros aumentassem menos. Com isso, seria
possível preservar um certo nível
de crescimento da produção e do
emprego, comportamento de
acordo com os princípios da "Carta ao Povo Brasileiro".
Por coerência, é lícito acreditar
em que, nos próximos capítulos
dessa novela, o BC não perderá
oportunidades, por conservadorismo ou timidez, de reduzir sensivelmente as taxas de juros e colocar a economia para crescer.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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