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São Paulo, terça-feira, 28 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Apressado come cru

BENJAMIN STEINBRUCH

Sempre que houver dúvidas sobre o comportamento do atual governo, vale a pena ler a "Carta ao Povo Brasileiro", assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 22 de junho do ano passado. Naquele momento, o país vivia uma crise angustiante. Desenhava-se, pela primeira vez, a possibilidade concreta de o PT ganhar as eleições presidenciais, o que provocava enorme conturbação nos mercados financeiros, com alta do dólar e saída de capitais.
Essa carta é uma súmula dos compromissos assumidos por Lula, uma espécie de "minibíblia" que não pode ser renegada pelo governo, sob pena de decepcionar 53 milhões de eleitores. Por isso, na semana passada, quando o Banco Central, na primeira reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), decidiu aumentar a taxa básica de juros, reli o documento.
Lula diz o seguinte: "Superando a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma sustentada a taxa de juros. (...) Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda. (...) A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um círculo vicioso entre metas de inflação baixa, juro alto, oscilação cambial brusca e aumento da dívida pública".
À luz desses compromissos, soam inadequadas algumas declarações irônicas, feitas por alguns depois que o Copom elevou em 0,5 ponto percentual a taxa de juros na semana passada. Essa medida não contraria os princípios da carta nem em relação aos juros nem em relação ao crescimento da economia, embora tenha desapontado os mais apressados.
Quem analisou com cuidado o comportamento do Banco Central pôde observar diferenças fundamentais em relação ao passado. O trecho mais sugestivo do documento que o Banco Central enviou ao ministro Antonio Palocci Filho para se desculpar pelo não-cumprimento da meta inflacionária de 2002 e para ajustar a meta de 2003 para 8,5% refere-se ao crescimento econômico. O documento diz que, se o BC tentasse manter a meta de inflação de 6,5% (limite superior) neste ano, haveria uma recessão de 1,6%. Se fosse ainda mais rigoroso e tentasse reduzi-la a 4% (centro da meta), teríamos uma quase depressão, de 7,3%.
Quem quiser conferir a diferença entre o comportamento do BC atual e o anterior pode ir ao site do Banco Central e consultar um documento enviado pelo BC ao então ministro da Fazenda, Pedro Malan, em 16 de janeiro de 2002, texto que é irmão gêmeo desse remetido agora por Henrique Meirelles a Palocci. O objetivo era o mesmo: desculpar-se pelo não-cumprimento da meta inflacionária. As preocupações reveladas no documento de 2002, porém, eram estritamente monetárias. Houve apenas duas menções passageiras ao nível de atividade e nenhuma projeção explicita sobre o efeito da política de juros na taxa de crescimento do ano.
Isso não significa que o BC de Armínio Fraga não trabalhasse com projeções para o crescimento. Certamente fazia isso. Mas a diferença é que, no BC atual, a preocupação com o PIB é explícita.
Talvez o aumento de 0,5 ponto na taxa de juros da semana passada nem fosse necessário ou tenha impacto quase nulo na economia. De qualquer forma, por ter sido decidido logo na reunião de estréia do Copom sob nova gestão, serviu para mostrar ao mercado que aumentar juros não é tabu para o governo Lula.
O que se espera de qualquer Banco Central é a autonomia para elevar e baixar os juros sempre que considere necessário. Espera-se, igualmente, uma atuação cuidadosa para que os estragos da política monetária não sejam excessivos.
Na semana passada, o BC considerou que, sem fugir ao compromisso com a estabilidade, poderia aceitar uma inflação um pouco maior para que os juros aumentassem menos. Com isso, seria possível preservar um certo nível de crescimento da produção e do emprego, comportamento de acordo com os princípios da "Carta ao Povo Brasileiro".
Por coerência, é lícito acreditar em que, nos próximos capítulos dessa novela, o BC não perderá oportunidades, por conservadorismo ou timidez, de reduzir sensivelmente as taxas de juros e colocar a economia para crescer.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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