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LUÍS NASSIF
Legado de Lobato e Bonfim
Aprendi a ler com Monteiro
Lobato. Creio que, com 10
anos, havia lido toda a coleção
infantil. "Reinações de Narizinho", "Os 12 Trabalhos de
Hércules" e por aí em adiante.
Na escola Sete de Setembro, ali
na rua Assis Figueiredo, a diretora dona Nicolina Bernardes gostava de exibir os conhecimentos do aluno da obra de
Lobato.
Foi na adolescência que tomei contato com a obra adulta
de Lobato. Para quem se extasiara com Pedrinho e Narizinho, dona Benta e tia Anastácia, Emília e Visconde, confesso que "Urupês" não chegou a
me entusiasmar. Gostava do
seu estilo límpido, da maneira
como simplificava a acentuação das palavras mas, perto do
"Sítio do Picapau Amarelo",
"Urupês" não passava de uma
cidade morta.
Já o livro sobre petróleo e aço
chacoalhou minha imaginação adolescente. Lobato levantava uma bandeira nacionalista que nunca tinha imaginado até então. Não se tratava
de exortações contra inimigos
externos, de slogans nacionalistas jacobinos, mas de um
discurso incendiário contra o
atraso -que campeava nas
elites, no ambiente político e
na administração pública- e
uma denúncia violenta contra
o papel castrador da máquina
pública contra qualquer iniciativa que proviesse da sociedade.
Da mesma maneira que ensinava o caboclo Jeca Tatu a
usar botina, nas historinhas
que ilustravam os almanaques
de remédios, Lobato tentava
passar noções mínimas de modernidade às nossas elites.
Seu texto tinha uma eficiência panfletária inigualável,
talvez superada apenas por
Gondim da Fonseca, um dos
jornalistas da campanha do
"Petróleo é nosso", o mais brilhante texto jornalístico que já
conheci.
O modelo lobatiano era a
economia americana, não a
ênfase imperialista, mas o universo de empreendedores buscando o desenvolvimento, atacando as mazelas sociais, investindo nas indústrias de
ponta da época (siderurgia e
petróleo) e uma sociedade que
se reunia para resolver seus
próprios problemas.
Ao contrário dos generais
que dominavam o Conselho
Nacional do Petróleo, a proposta de Lobato era a criação
de um ambiente econômico
moderno, que permitisse o florescimento dos empreendedores desenvolvendo as potencialidades nacionais.
Décadas depois, tomei contato com a obra de Manuel
Bonfim, um médico sergipano,
filho de usineiro. Antes mesmo
de Lobato, logo no começo do
século, Bonfim já tinha entendido mais do que qualquer de
seus contemporâneos a tragédia brasileira, o aparato político-burocrático do Estado
que impedia o desenvolvimento da nação.
Ao contrário dos basbaques
da elite, que atribuíam o atraso ao povo brasileiro, Bonfim
desmistificava as teses raciais,
e demonstrava cabalmente
que as causas deviam ser procuradas no modelo de Estado,
voltado exclusivamente para o
atendimento das demandas
políticas dos governantes e das
corporações.
No início do século, em seu
clássico "América Latina, Males de Origem", Bonfim falava
com admiração da maneira
como a sociedade americana
buscava o desenvolvimento e
aplicava seus recursos para resolver problemas sociais.
Lembrava com uma ponta
de inveja como Japão, Argentina e Chile tinham resolvido
seus principais problemas sociais. Anotava que, enquanto
o povo brasileiro havia inspirado a campanha da Abolição,
a elite produzira a Guerra do
Paraguai.
Mostrava como as crises que
sacudiam periodicamente o
país como a hiperinflação que
se seguiu à Proclamação eram
exclusivamente crises do Estado que, depois, transformavam-se em crise da nação, pela
necessidade do Estado em
emitir desenfreadamente para
atender às demandas dos sócios do poder.
Finalmente, apontava a mistificação do que ele denominava de "financistas", os economistas que se apresentavam
como dotados de saber superior, da capacidade de resolver
todos os problemas em um
passe de mágica.
Esses "financistas" desviavam o foco da reforma do Estado para formulações genéricas, mágicas, ligadas ao equilíbrio orçamentário. O importante é o equilíbrio orçamentário, não a maneira como se
obtém o equilíbrio.
Cortar soldos militares, benefícios de aliados políticos,
salários da máquina? Nem
pensar, dizia Bonfim. Corta-se
onde a resistência seja menor.
Toca a cortar, então, verbas
para educação, para saúde,
obras integradoras, fora dos
centros de poder.
Quando terminava o processo, concluía Bonfim, o Estado
estava melhor, e a nação, mais
pobre. No começo do século,
em um país quase selvagem,
Bonfim identificava estereótipos que, nos anos 80 e 90, viriam repetir a mistificação.
Não coincidentemente, de
admiradores de um modelo de
país desenvolvido, Lobato e
Bonfim terminaram a vida
ídolos do movimento estudantil, totalmente céticos quanto à
possibilidade de as elites políticas e econômicas romperem
com a pesada herança portuguesa e promoverem o novo.
E fico imaginando essa solidão cósmica dos visionários,
dessas pessoas que ousaram sonhar o novo em um país onde
toda idéia nova acaba morta
por interesses corporativistas,
empresariais, políticos, pelo
medo de que o novo desbanque
definitivamente o velho.
Penso como a realidade, dia a
dia, matou suas esperanças,
deixou-os céticos, ressequidos,
derrotados pelo velho. Mas como, de suas penas, brotaram
sementes de esperança que
atravessaram as décadas, chegaram ao limiar do século, alimentando como réstias de luz a
esperança das novas gerações
de continuar perseguindo o novo.
²
E-mail: lnassif@uol.com.br
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