|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
A soja e a CTNbios
É curiosa a decisão do governo Lula de liberar a comercialização de soja transgênica plantada irregularmente no
Rio Grande do Sul. Evita uma
crise econômica na agricultura
gaúcha, já que se estima que
80% da safra do Estado seja de
sementes geneticamente modificadas.
Mas como é que ficamos? Na
semana passada o governo liquidou com a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), um conselho criado
pelo governo Fernando Henrique Cardoso, composto por
cientistas de renome, com poderes deliberativos. Inúmeras vezes militantes petistas e ativistas
cometeram a leviandade de insinuar que a comissão era financiada pela Monsanto.
A comissão defendia os transgênicos. Pode-se argumentar
que uma decisão ou outra tenha
sido apressada, que poderia ter
aguardado mais testes para liberar pesquisas e coisas do gênero. Mas nenhuma pessoa de
boa-fé discordava de que era
uma comissão de alto nível, a
quem o governo passado transferiu a incumbência de opinar
sobre o tema. Ou seja, o governo
abriu mão de seu poder discricionário sobre a matéria e o
transferiu para um fórum técnico.
A CTNBio é desmoralizada,
desautorizada. De repente explode a questão da soja gaúcha.
Descobre-se que Estado governado por Olívio Dutra, que
criou o Fórum Social Mundial,
que permitiu a manifestação
mais obscurantista contra os
transgênicos -com a atitude de
José Bové de queimar uma plantação experimental da Embrapa- era o único da região que
não tinha fiscalizado o plantio,
para impor a proibição dos
transgênicos. Não existe esse
problema nem em Santa Catarina nem no Paraná. Alega-se
que o Estado tenha sofrido boicote do ex-ministro da Agricultura Pratini de Moraes, que não
teria montado convênios com o
Estado nem para a fiscalização
do plantio da soja nem para
controle da aftosa. E a Secretaria da Agricultura estadual? E a
Secretaria da Saúde?
Cria-se o problema, e o governo Lula monta um grupo de trabalho com nove ministérios para analisar a questão. A tendência inicial foi liberar a comercialização da safra atual, mas apenas para exportação. Anteontem sai a medida provisória
com itens coibindo severamente
o plantio de soja transgênica para a próxima safra, mas... autorizando a comercialização interna da safra atual.
Como é que fica? Dividiu-se a
soja transgênica em dois grupos,
o da safra atual, que não faz
mal para a saúde humana, e o
da próxima safra, que faz? Como fica a CTNBios, à luz dessa
decisão? Liquida-se um órgão
autônomo, técnico, que poderia
impedir a politização e a interferência oficial sobre o tema.
Depois, tomam-se decisões que
levaram à condenação do órgão?
Sistematicamente tenho condenado essa mania de exigir
que um partido, no governo, se
comporte como quando era
oposição. Mas a decisão de autorizar a comercialização da soja transgênica obriga o governo
Lula, moralmente, a rever o tratamento dado ao CTNBios. Algo que poderia sair de uma decisão colegiada de cientistas
transformou-se em decisão voluntarista do Executivo. Não é
assim que se constrói a institucionalização do poder no país.
E-mail - LNassif@uol.com.br
Texto Anterior: Imposto de renda: Aposentadoria por doença é isenta Próximo Texto: Ano do dragão: Recuo na inflação é menor e Fipe revê taxa para cima Índice
|