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São Paulo, sábado, 28 de junho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Internacional da concorrência próxima a Cancún

GESNER OLIVEIRA

A três meses da Reunião Ministerial de Cancún, no México, a Rede Internacional da Concorrência ("International Competition Network") teve sua segunda reunião em Mérida, no mesmo Estado mexicano de Yucatán, a cerca de 300 quilômetros de Cancún.
O tema da concorrência será um dos itens na mesa de negociação de Doha. A Rede Internacional de Concorrência (Rede) reúne quase uma centena de órgãos de defesa da concorrência e oferece uma boa idéia de como anda a proteção dos mercados pelo mundo.
Defesa da concorrência é um assunto novo na maioria dos países. Mais de dois terços dos membros da Rede editaram sua legislação na área há menos de uma década. Uma das razões da realização da reunião no México foi o décimo aniversário da Comissão Federal de Concorrência daquele país, o equivalente mexicano ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) no Brasil.
Um balanço realista da situação no mundo e em particular nos países em desenvolvimento revela muita legislação e entusiasmo, mas pouca implementação e disponibilidade de recursos. No papel, a concorrência é fortíssima. Na prática dos mercados dos países em desenvolvimento, os avanços são modestos, para dizer o mínimo.
O presidente do México, Vicent Fox, exaltou a concorrência e os mercados ao fazer seu pronunciamento na reunião de Mérida. Chamou atenção para o fato de que o volume de comércio do México (exportações somadas às importações) supera a soma do comércio do restante da América Latina. Mas tal grau de liberalização comercial não foi suficiente, por si só, para garantir maior concorrência na economia.
Na Argentina, a situação é pior. Embora a lei de defesa da concorrência do país preveja a criação de um tribunal da concorrência, o governo Kirchner até agora não tomou providência nesse sentido. No Brasil, apesar da alta qualidade das lideranças no Cade, Seae e SDE, tais entidades não têm recebido a devida prioridade pelo governo Lula na hora da distribuição dos escassos recursos disponíveis.
A falta de atenção com as instituições da defesa da concorrência e da regulação explica grande parte das distorções da liberalização na América Latina e no Leste Europeu. Os problemas associados a programas de privatização residem precisamente na ausência de um marco regulatório adequado.
Além disso, o custo burocrático de organismos desaparelhados e a falta de harmonia entre as legislações são extremamente elevados. Segundo estudo da Pricewaterhouse distribuído aos participantes da Rede, a longa espera pela autorização de fusões e aquisições representa cerca de 50% dos custos associados a uma fusão transnacional. Em casos em que a transação é analisada por órgãos de vários países, o custo pode ser astronômico e acarretar espera de mais de três anos!
Em contraste com as áreas de política monetária e fiscal, não há estatísticas sistemáticas sobre a situação da concorrência nos vários países. Seria útil, por exemplo, desenvolver indicadores sobre a qualidade e a eficiência dos serviços prestados pelas diferentes agências de defesa da concorrência e de regulação. Tal relatório mundial da concorrência, proposto na reunião da Rede, poderia conter uma classificação das diferentes agências, promovendo uma salutar competição entre aqueles que estão habituados a promover a concorrência dos outros.
Uma classificação dessa natureza daria mais objetividade ao debate que ora se trava no Brasil acerca do papel das agências reguladoras ao permitir uma comparação entre o desempenho de cada organismo, bem como com os parâmetros internacionais. Da mesma forma, permitiria uma avaliação mais objetiva e transparente acerca do grau de concorrência em mercados tão diferentes quanto os de chocolate, serviços de telefonia e bancos.
O subinvestimento institucional na defesa da concorrência não é casual nem é exclusivo de países em desenvolvimento, embora as consequências sejam mais sérias nesses últimos. O fenômeno decorre da ausência de grupos organizados que em cada jurisdição nacional pressionem pela boa maior oferta desse bem público representado pela concorrência. Um acordo internacional sobre a matéria estabelecendo padrões de qualidade e compromisso com o combate ao abuso do poder econômico poderia atenuar essa distorção. Daí a conexão Mérida-Cancún.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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