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VISÃO DE FORA
Países como o Brasil podem evitar crises?
MICHAEL PETTIS
Os mercados mundiais têm sido fortemente pressionados pelo medo do colapso das moedas.
A movimentação do mercado
brasileiro de ações, de repente,
começa a sofrer uma grande influência de acontecimentos não
relacionados com ela, como a
dívida podre nas carteiras dos
bancos japoneses e o fracasso
dos leilões dos títulos na Rússia.
Com tanta atenção, no mundo todo, voltada para as crises
das moedas, os investidores se
perguntam se o Brasil vai entrar na longa lista dos países
que sofreram colapsos. Qual é,
então, a causa dessas fortes desvalorizações e, por que tantos
países subitamente aparentam
ser tão vulneráveis?
Geralmente, nem governos
nem especuladores estrangeiros
prevêem crises. São eventos caóticos, em boa parte iniciados
por mudanças bruscas de credibilidade e intensificados por
inadequadas estruturas de manejo de passivos externos, típicos de muitas economias menores, incluindo o Brasil.
No momento em que acaba a
confiança na moeda ou nos
mercados, os que lançam os
ataques, fazendo ruir as moedas, não são os notórios especuladores "anglo-saxões" -vilões
da história na crise da Malásia
e na França-, mas sim os investidores e devedores domésticos que tomam medidas perfeitamente nacionais para proteger-se, já que correm risco de
descasamento de seus ativos e
passivos. É sua conduta defensiva que causa a espiral descontrolada que leva à crise.
Mesmo após a crise inicial,
não são os especuladores estrangeiros que alimentam o
subsequente desarranjo no
mercado. São as grandes empresas domésticas, que estão
endividadas em dólares e precisam desesperadamente de um
"hedge" preventivo, em face da
rápida valorização desses seus
endividamentos.
Na Indonésia, por exemplo,
depois das primeiras desvalorizações (em julho e agosto de
1997), o mercado já aparentava
estar estabilizado em setembro.
Os especuladores estrangeiros
ficaram razoavelmente satisfeitos em relação aos fundamentos
econômicos do país; até pensavam em comprar rupias. Contudo eles não perceberam que as
grandes empresas domésticas
começavam a vender fortemente suas rupias, para comprar
dólares e obter um "hedge" contra o imenso peso de seu endividamento em dólares. Foram essas vendas descontroladas que
finalmente causaram o colapso
da moeda.
Pior ainda foi o caso da Coréia, um país que, em dado momento, parecia quase imbatível
na sua corrida para alcançar os
países ricos do mundo. Depois
da primeira queda do won, os
investidores ficaram alarmados
ao saber que a dívida coreana
de curto prazo havia estourado
às escondidas e ultrapassado os
US$ 110 bilhões. As grandes empresas coreanas entraram numa corrida frenética, fugindo
em pânico das posições na sua
própria moeda. Ao fazer isso,
geraram o mesmíssimo colapso
contra o qual tentavam proteger-se.
Quais são as lições das últimas crises cambiais? Em primeiro lugar, são sempre inesperadas, não planejadas. Os países que dependem de poupança
do exterior para suprir suas necessidades de investimentos
(como todo mercado emergente, inclusive o dos EUA no século 19) sempre importam enorme
volatilidade com as mudanças
na liquidez global; isso, inevitavelmente, leva a crises cíclicas
de mercado.
Em segundo lugar, a forma de
atuar que parecia racional no
período de confiança -como
contrair dívidas de curto prazo
em moeda estrangeira, tão barata- logo torna-se parte do
mecanismo que acelera o colapso.
As instituições que apostam
fortemente na recuperação ou
na estabilização são as que
mais perdem com as mudanças
rápidas no cenário econômico,
que aumentam sua exposição e
sua vulnerabilidade. As grandes empresas na Ásia, por
exemplo, se aproveitaram demais da possibilidade de obter
empréstimos favorecidos pela
atrativa taxa do dólar.
Infelizmente, depois de uma
primeira desvalorização, que
talvez nem fosse muito grande,
essas empresas ficaram perigosamente expostas. Começaram
a vender suas posições em moedas nacionais e a comprar dólares para se proteger. Contudo,
para muitos foi tarde demais.
Pior, foi precisamente essa atividade -de todos, ao mesmo
tempo, correrem atrás do "hedge"-, que esvaziou as reservas
dos bancos centrais e levou ao
colapso das moedas.
A história foi a mesma no México, na Tailândia, na Suécia,
na Itália, na Indonésia, na Coréia e nos demais países levados
à insolvência ou quase insolvência por causa da desvalorização súbita. O risco de descasamento de ativos e passivos em
diferentes moedas sempre aumenta a pressão.
Finalmente, e mais importante, o melhor momento para prevenir a crise não é quando o
futuro começa a parecer perigoso, mas quando as perspectivas
aparentam ser tão boas que soa
como loucura preocupar-se com
uma queda.
Contudo é precisamente
quando há muito otimismo que
a maioria das grandes empresas
e dos governos atua como se
fosse desnecessário tomar as
medidas adequadas; seu único
objetivo é aproveitar condições
cada vez melhores.
Esse processo sempre resulta
em custos maiores quando as
condições pioram. Os economistas já concordam que é essa a
causa fundamental das crises:
as previsões que elas mesmas
-pelo próprio fato de surgir-
fazem se materializar.
Com todas as atenções voltadas para o Brasil como "bola de
vez", podemos esperar um colapso do real, semelhante aos
que foram vistos no México e na
Ásia? Ninguém sabe com certeza; seria tolice tentar prever.
Mas, se os mercados em algum
momento se recuperarem, seria
ainda mais tolo supor que o
mercado foi salvo por medidas
governamentais corretas e que
essas políticas protegerão o Brasil no futuro.
A verdade é que os fluxos de
capital externo são enormes em
relação à economia brasileira.
Há muito pouco que o governo
possa fazer, exceto fingir que
tem controle e, assim, tentar desacelerar o desgaste de confiança.
No caso de os bons tempos
voltarem, os técnicos financeiros das grandes empresas e do
governo devem assumir uma
posição temerosa e preparar-se
para o pior. Para países como o
Brasil, os grandes choques externos inesperados não só são
possíveis como também inevitáveis e frequentes. Não haverá
reforma alguma -da moeda
ou da economia- que possa
evitar isso.
Tradução de
Thomas Nerney
Quem é MICHAEL PETTIS
norte-americano, 39 anos, mestre em finanças, diretor do banco de investimentos Bear
Stearns e professor-associado de finanças na
Graduate School of Business da Columbia
University (EUA).
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