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DIAGNÓSTICO & RECEITA
Necrofilia tributária
OSIRIS LOPES FILHO
Semanazinha ruim, essa que
terminou. Morte de Leandro e
nova derrota da seleção para
a Noruega. Houve uma inversão da ambiência prevalecente na semana anterior.
Impregnado por esse clima
depressivo, enfrentei a leitura
de diários oficiais. Eis que topo com a instrução normativa
nš 53/98, firmada pelo secretário da Receita Federal. E verifico que a voracidade do
apetite governamental incrementou-se, ao determinar o
estupro tributário do espólio.
É a necrofilia tributária.
Deve ter havido ingestão de
dose cavalar de Viagra, para
aguçar o libido federal ao
ponto de se satisfazer com o
espólio dos defuntos, agredindo-se a Constituição.
O pecado capital, em matéria constitucional, já tinha sido cometido. A lei nš 9.532/97,
em seu art. 23, consagrou clara invasão de competência
tributária, ao penetrar grosseiramente no campo de incidência do imposto de transmissão "causa mortis", dos Estados e do Distrito Federal.
Estabeleceu-se a incidência
do Imposto de Renda sobre as
transmissões de propriedade
em decorrência de heranças,
legados e doações, determinando que o ônus do tributo é
do espólio ou do doador.
Vale lembrar que não pode
se tratar de renda, posto que,
no caso, não há disponibilidade econômica, como produto
do capital ou do trabalho, ou
de sua combinação. Não há
igualmente a materialização
de proventos.
Do ponto de vista do espólio
há perda patrimonial e não
ganho de capital ou acréscimo
patrimonial.
Como posta a situação,
tem-se invasão de competência tributária, condenada pela Constituição, e impropriedade da incidência, pois externa ao campo de aplicação
do IR.
A referida instrução normativa necrofílica vai além. Pretende alcançar sucessões decorrentes de morte, ocorridas
anteriormente à edição da
aludida lei. Elege como elemento temporal a data da
sentença homologatória da
partilha (art. 13), em novo
atentado inconstitucional aos
princípios da legalidade e da
irretroatividade da lei.
Prevalece o cínico expediente de que regras inconstitucionais terão eficácia para a
maioria do povo, pois a experiência demonstra que geralmente poucos afortunados se
dispõem à ida ao Judiciário,
em defesa de seus direitos. À
maioria do povo aplica-se o
rigor da lei. Mesmo que seja
inconstitucional. É a filosofia
governamental, agora dotada
de tesão mórbida.
Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da
Universidade de Brasília e ex-secretário da
Receita Federal.
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