São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
No fio da navalha

ALOIZIO MERCADANTE
Todos os indicadores sugerem que a crise asiática será mais profunda e prolongada do que as avaliações iniciais. A recessão avança nas economias atingidas (Tailândia, Indonésia, Malásia, Coréia). O Japão, a segunda economia do planeta, apresenta um quadro de depressão econômica e uma inadimplência que seguramente supera US$ 600 bilhões. A China é pressionada pelo cenário de desvalorização generalizada das moedas vizinhas. O rublo e a economia russa agonizam, com uma ajuda muito modesta e insuficiente do FMI. Os ventos que sopram da economia internacional são de turbulências e incertezas.
No Brasil, a crise social se agravou de forma dramática. FHC despenca nas pesquisas de opinião. Lula cresceu de forma espetacular. O sinal vermelho se acende no estado-maior de FHC. Atordoados e divididos quanto à estratégia eleitoral, os adversários sucumbem à truculência. O debate econômico e político é rebaixado e os interlocutores desqualificados. Continuísmo ou caos!, bradam as forças conservadoras de FHC.
Somos vítimas de manipulações jornalísticas, mas recusamos esse falso paradigma. O terrorismo econômico e político sugere que estamos em um quadro de estabilidade, ameaçados agora pela disputa presidencial. Nada mais falso e irresponsável.
Em primeiro lugar, todos os indicadores econômicos se deterioraram neste governo, exceto a inflação. O Brasil caminha no fio da navalha.
A dívida pública mobiliária federal, que era de R$ 61 bilhões na posse de FHC, atinge R$ 288 bilhões, e cada vez mais curta. O governo retoma a ciranda financeira com títulos pós-fixados e dolariza uma parcela da dívida, em mais de R$ 57 bilhões. O déficit público cresce para 7% do PIB! É nesse quadro que o fisiologismo e o desespero eleitoral vão liberando o gasto público e liquidando o patrimônio público estratégico (Telebrás e Eletrobrás), no apagar das luzes deste governo.
Nas contas externas, o país que administrava um déficit de transações correntes de US$ 0,7 bilhão, em 1993, está exposto a um déficit de US$ 33 bilhões, em 1988. E o presidente-cabo eleitoral do Banco Central faz terrorismo político internacional com Lula, ao mesmo tempo em que sugere valorizar mais o câmbio!
Como alertamos todos esses anos, a armadilha âncora cambial, abertura comercial radical e juros elevadíssimos comprometeu o crescimento e lançou o país em uma trajetória insustentável. Convivemos com um cenário de deterioração social sem precedentes: recorde de desemprego, fome, seca, saques, dengue, falências e concordatas.
Perdemos as oportunidades de corrigir o grave erro da sobrevalorização do câmbio quando o cenário internacional era favorável. Agora, nessa turbulência internacional, não temos qualquer possibilidade de ajustar com rapidez a taxa de câmbio. Uma máxi, ou mesmo uma mididesvalorização, seriam desastrosas. O setor privado está profundamente endividado em dólar, parte crescente das finanças públicas está dolarizada e as exportações dificilmente reagiriam nesse cenário de crise internacional. A taxa básica de juros está prisioneira da defesa de um patamar de reservas cambiais que pode ser um pouco inferior ao atual. A margem de redução é pequena, mas o principal problema é a inadimplência generalizada gerada pela irresponsabilidade dessa política monetária prolongada. Grandes empresas comerciais começam a quebrar, uma nova crise bancária potencial pode estar em desenvolvimento.
Esse cenário de crise cambial potencial, com o risco sempre presente de um ataque especulativo contra a moeda, pode se agravar se FHC continuar tentando repetir Carlos Salinas. No México, o neoliberalismo também empurrou com a barriga os graves desequilíbrios macroeconômicos para chegar até as eleições. Lá, a bancarrota veio na semana seguinte à do pleito. Aqui ainda podemos evitar se o governo for responsável e o debate econômico no país não descambar.
A oposição terá uma pesada herança se vencer as eleições. Não haverá resposta fácil, nem rápida. Será necessária uma transição da atual política econômica para um novo modelo de desenvolvimento que poderá durar mais de ano, dependendo do cenário internacional.
A oposição também terá seu discurso no fio da navalha. Não se vencem eleições sem esperança. Mas não se governa um país sem credibilidade. Não há como desmontar a armadilha câmbio e juros com um passe de mágica. Foram quatro anos de graves equívocos. Nós queremos a estabilidade econômica com um projeto de desenvolvimento que este governo foi incapaz de apresentar. E temos como compromisso reverter essa trajetória, sem solavancos ou propostas ingênuas.
A primeira linha de defesa do país, neste momento, é reduzir à vulnerabilidade externa, restringindo os espaços para fuga descontrolada de capitais, revendo a CC-5 e a "63 caipira". A política de comércio exterior tem de ser ativa, disputando no âmbito da OMC medidas que protejam a estrutura produtiva e combatendo de forma implacável o importabando. O gasto público precisa de austeridade e reorientação para as áreas sociais prioritárias. BNDES, BB e CEF podem representar um subsistema de crédito, utilizando a poupança pública e compulsória dos trabalhadores para baixar rapidamente as taxas de juros para a habitação popular, micro e pequenas empresas, crédito popular e consumo de bens essenciais.
A Argentina aumentou em 50% sua safra agrícola nos últimos quatro anos, atingindo 62 milhões de toneladas. Como pode o Brasil ter reduzido sua produção e importar leite, arroz, milho, cacau, algodão e até coco? A agricultura e a reforma agrária ampla são respostas rápidas e eficazes, que contribuem para baratear o custo de vida, melhorar as contas externas e amenizar a grave crise social. A rearticulação das câmaras setoriais com política industrial ativa é outra dimensão importante para a reestruturação produtiva. A reforma tributária que este governo nem sequer apresentou ao Congresso é inadiável. Medidas corajosas na educação, como a bolsa-escola, e uma nova política de saúde podem ajudar a romper com essa lógica perversa de exclusão social. Temos de iniciar a construção de um desenvolvimento econômico solidário e sustentável. Uma política de emprego e o empenho na retomada do crescimento econômico podem permitir um novo horizonte para o nosso povo, como demonstra Jospin na França.
A chama de 1989 se ascendeu nas ruas. Teremos uma campanha polarizada e empolgante, que desta vez poderia elevar o debate e apontar novas respostas para o Brasil. Porém, um presidente-candidato desesperado pode agravar ainda mais as frágeis condições da economia brasileira. A derrota da elite que sempre mandou e abusou deste país será um teste decisivo para o processo democrático, mas assegurará uma nova trajetória para o Brasil no século 21.


Aloizio Mercadante Oliva, 44, economista, é professor na Unicamp e na PUC-SP. Foi deputado federal e candidato a vice-presidente da República em 94 na chapa com Lula. É vice-presidente nacional do PT.



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