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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
No fio da navalha
ALOIZIO MERCADANTE
Todos os indicadores sugerem que a crise asiática será
mais profunda e prolongada
do que as avaliações iniciais.
A recessão avança nas economias atingidas (Tailândia,
Indonésia, Malásia, Coréia).
O Japão, a segunda economia
do planeta, apresenta um
quadro de depressão econômica e uma inadimplência
que seguramente supera US$
600 bilhões. A China é pressionada pelo cenário de desvalorização generalizada das
moedas vizinhas. O rublo e a
economia russa agonizam,
com uma ajuda muito modesta e insuficiente do FMI. Os
ventos que sopram da economia internacional são de turbulências e incertezas.
No Brasil, a crise social se
agravou de forma dramática.
FHC despenca nas pesquisas
de opinião. Lula cresceu de
forma espetacular. O sinal
vermelho se acende no estado-maior de FHC. Atordoados e divididos quanto à estratégia eleitoral, os adversários sucumbem à truculência.
O debate econômico e político
é rebaixado e os interlocutores desqualificados. Continuísmo ou caos!, bradam as
forças conservadoras de FHC.
Somos vítimas de manipulações jornalísticas, mas recusamos esse falso paradigma. O
terrorismo econômico e político sugere que estamos em um
quadro de estabilidade,
ameaçados agora pela disputa presidencial. Nada mais
falso e irresponsável.
Em primeiro lugar, todos os
indicadores econômicos se deterioraram neste governo, exceto a inflação. O Brasil caminha no fio da navalha.
A dívida pública mobiliária
federal, que era de R$ 61 bilhões na posse de FHC, atinge
R$ 288 bilhões, e cada vez
mais curta. O governo retoma
a ciranda financeira com títulos pós-fixados e dolariza
uma parcela da dívida, em
mais de R$ 57 bilhões. O déficit público cresce para 7% do
PIB! É nesse quadro que o fisiologismo e o desespero eleitoral vão liberando o gasto
público e liquidando o patrimônio público estratégico
(Telebrás e Eletrobrás), no
apagar das luzes deste governo.
Nas contas externas, o país
que administrava um déficit
de transações correntes de
US$ 0,7 bilhão, em 1993, está
exposto a um déficit de US$
33 bilhões, em 1988. E o presidente-cabo eleitoral do Banco
Central faz terrorismo político internacional com Lula, ao
mesmo tempo em que sugere
valorizar mais o câmbio!
Como alertamos todos esses
anos, a armadilha âncora
cambial, abertura comercial
radical e juros elevadíssimos
comprometeu o crescimento e
lançou o país em uma trajetória insustentável. Convivemos
com um cenário de deterioração social sem precedentes: recorde de desemprego, fome,
seca, saques, dengue, falências
e concordatas.
Perdemos as oportunidades
de corrigir o grave erro da sobrevalorização do câmbio
quando o cenário internacional era favorável. Agora, nessa turbulência internacional,
não temos qualquer possibilidade de ajustar com rapidez a
taxa de câmbio. Uma máxi,
ou mesmo uma mididesvalorização, seriam desastrosas. O
setor privado está profundamente endividado em dólar,
parte crescente das finanças
públicas está dolarizada e as
exportações dificilmente reagiriam nesse cenário de crise
internacional. A taxa básica
de juros está prisioneira da
defesa de um patamar de reservas cambiais que pode ser
um pouco inferior ao atual. A
margem de redução é pequena, mas o principal problema
é a inadimplência generalizada gerada pela irresponsabilidade dessa política monetária
prolongada. Grandes empresas comerciais começam a
quebrar, uma nova crise bancária potencial pode estar em
desenvolvimento.
Esse cenário de crise cambial potencial, com o risco
sempre presente de um ataque
especulativo contra a moeda,
pode se agravar se FHC continuar tentando repetir Carlos
Salinas. No México, o neoliberalismo também empurrou
com a barriga os graves desequilíbrios macroeconômicos
para chegar até as eleições.
Lá, a bancarrota veio na semana seguinte à do pleito.
Aqui ainda podemos evitar se
o governo for responsável e o
debate econômico no país não
descambar.
A oposição terá uma pesada
herança se vencer as eleições.
Não haverá resposta fácil,
nem rápida. Será necessária
uma transição da atual política econômica para um novo
modelo de desenvolvimento
que poderá durar mais de
ano, dependendo do cenário
internacional.
A oposição também terá seu
discurso no fio da navalha.
Não se vencem eleições sem
esperança. Mas não se governa um país sem credibilidade.
Não há como desmontar a armadilha câmbio e juros com
um passe de mágica. Foram
quatro anos de graves equívocos. Nós queremos a estabilidade econômica com um projeto de desenvolvimento que
este governo foi incapaz de
apresentar. E temos como
compromisso reverter essa
trajetória, sem solavancos ou
propostas ingênuas.
A primeira linha de defesa
do país, neste momento, é reduzir à vulnerabilidade externa, restringindo os espaços
para fuga descontrolada de
capitais, revendo a CC-5 e a
"63 caipira". A política de comércio exterior tem de ser ativa, disputando no âmbito da
OMC medidas que protejam a
estrutura produtiva e combatendo de forma implacável o
importabando. O gasto público precisa de austeridade e
reorientação para as áreas sociais prioritárias. BNDES, BB
e CEF podem representar um
subsistema de crédito, utilizando a poupança pública e
compulsória dos trabalhadores para baixar rapidamente
as taxas de juros para a habitação popular, micro e pequenas empresas, crédito popular
e consumo de bens essenciais.
A Argentina aumentou em
50% sua safra agrícola nos últimos quatro anos, atingindo
62 milhões de toneladas. Como pode o Brasil ter reduzido
sua produção e importar leite,
arroz, milho, cacau, algodão e
até coco? A agricultura e a
reforma agrária ampla são
respostas rápidas e eficazes,
que contribuem para baratear
o custo de vida, melhorar as
contas externas e amenizar a
grave crise social. A rearticulação das câmaras setoriais
com política industrial ativa é
outra dimensão importante
para a reestruturação produtiva. A reforma tributária que
este governo nem sequer apresentou ao Congresso é inadiável. Medidas corajosas na
educação, como a bolsa-escola, e uma nova política de
saúde podem ajudar a romper
com essa lógica perversa de
exclusão social. Temos de iniciar a construção de um desenvolvimento econômico solidário e sustentável. Uma política de emprego e o empenho
na retomada do crescimento
econômico podem permitir
um novo horizonte para o
nosso povo, como demonstra
Jospin na França.
A chama de 1989 se ascendeu nas ruas. Teremos uma
campanha polarizada e empolgante, que desta vez poderia elevar o debate e apontar
novas respostas para o Brasil.
Porém, um presidente-candidato desesperado pode agravar ainda mais as frágeis condições da economia brasileira.
A derrota da elite que sempre
mandou e abusou deste país
será um teste decisivo para o
processo democrático, mas assegurará uma nova trajetória
para o Brasil no século 21.
Aloizio Mercadante Oliva, 44, economista, é professor na Unicamp e na PUC-SP. Foi
deputado federal e candidato a vice-presidente da República em 94 na chapa com
Lula. É vice-presidente nacional do PT.
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