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CRISE ASIÁTICA
Desvalorização do iene ante o dólar é o que mais prejudica poupança de brasileiros que estão no Japão
Remessa para o Brasil cai 36% desde 95
de Tóquio
Prejudicados por salários achatados e pelo iene mais fraco, os dekasseguis têm remetido cada vez
menos dólares ao Brasil nos últimos três anos.
Em 1995, a remessa ficou em cerca de US$ 2,5 bilhões e, na conta
do lápis, ajudou o governo brasileiro a fechar suas contas externas.
Em 1996, as remessas ficaram em
cerca de US$ 2 bilhões. Em 1997,
US$ 1,9 bilhão e em 1998 deverão
totalizar US$ 1,6 bilhão, segundo
estimativas dos bancos brasileiros
que operam com a poupança dos
dekasseguis no Japão.
Em 1996, o dinheiro dos dekasseguis representava mais da metade do total de dólares enviados por
todos os brasileiros que vivem no
exterior -estimado naquele ano
em US$ 3,4 bilhões. Ainda é a comunidade no exterior que mais remete recursos ao país, mas a proporção diminuiu bastante.
Segundo Luiz Fernando Chagas
Lessa, gerente-geral do Banco do
Brasil em Tóquio, a redução se deve quase que exclusivamente à
queda do valor do iene, que só em
97 perdeu 30% diante do dólar.
Como os dekasseguis ganham
em ienes e fazem suas remessas em
dólar, com a desvalorização da
moeda japonesa precisam de mais
ienes para comprar a mesma
quantidade de dólares.
"Os brasileiros continuam poupando a mesma coisa em ienes. O
que mudou foi o câmbio na hora
de conversão", disse Lessa.
Para se ter uma idéia, o valor
médio do iene com relação ao dólar em 1995 foi de 89 -hoje está na
casa de 140.
Lessa não acha que as demissões
de brasileiros nos últimos 12 meses tenha afetado o volume das remessas. "O brasileiro não está
mais sozinho no Japão. Agora ele
está com a família. Quando um fica desempregado o outro ajuda a
bancar a remessa mensal ao Brasil."
Segundo os bancos brasileiros
em Tóquio, muitos dekasseguis
estão depositando seus salários
em poupanças enquanto esperam
a cotação do iene melhorar para
comprar dólares. Isso também estaria reduzindo, temporariamente, a remessa de divisas ao Brasil.
Entre os bancos brasileiros, o BB
detém o controle do mercado de
dekasseguis no Japão, enviando,
por mês, US$ 55 milhões por meio
de contas individuais.
"Pelo amor de Deus"
Brasileiros que chegam ao Japão
enfrentam todo tipo de problema,
além do iene cada vez mais fraco.
Em janeiro passado, quando a
crise asiática já estava em pleno
vapor, Ilza Kurokawa, 34 anos,
moradora de Londrina, no Paraná, negociava com uma agência de
turismo paranaense sua vinda ao
Japão para trabalhar em uma fábrica de autopeças.
"Eu perguntei para a dona da
agência se essa história de crise
não ia atrapalhar. Ela disse que
não, que não tinha nada a ver, que
o problema estava muito longe do
Japão."
Kurokawa comprou à vista as
passagens das duas filhas mais novas e financiou a sua e de filha
mais velha com a dona da agência,
que providenciaria dois empregos
no Japão. "Assinei uma promissória no valor de 8 mil."
As quatro chegaram no final do
mês. Foram recepcionadas por um
representante de uma empreiteira.
"Já no caminho ele disse que a fábrica havia desistido das contratações e eu teria que esperar por outra oferta."
Depois de duas semanas dormindo na empreiteira, sem chuveiro, ela obteve um emprego provisório na Sanyo. Não durou dois
meses. Foi demitida junto com outros cem brasileiros. Quis ir embora e descobriu que não havia passagem de volta. Os bilhetes que
comprara simplesmente não tinham validade.
Kurokawa deve US$ 8 mil por
duas passagens que não existem e
que custariam US$ 2 mil no mercado. Ela arranjou um outro emprego, recebendo metade do que
lhe haviam prometido. Não consegue poupar porque os gastos no
Japão são altos. "Além disso a dívida foi convertida para ienes e aumenta a cada dia. Não vou conseguir pagar nunca. Quero voltar,
pelo amor de Deus."
Enganado
Wladimir Ferreira Garcia, também 34 anos, está numa situação
muito parecida. Só que está desempregado. Em sua primeira
noite no Japão ele disse ter percebido que foi enganado. O emprego
prometido não existia e na manhã
seguinte lhe prenderiam o passaporte até a dívida ser paga.
Garcia fugiu do apartamento
onde foi colocado junto com outros 12 brasileiros. Foi para a casa
da cunhada. Sua dívida inicial com
uma agência de turismo de Londrina foi transferida para uma empreiteira de mão-de-obra no Japão
e pulou de R$ 6 mil para US$ 9 mil
num passe de mágica.
"Problemas cambiais", explicou a empreiteira. Ele fez um apelo ao consulado. Quer voltar para
o Brasil. O prazo de sua passagem,
da Korean Airlines, já se esgotou.
A empreiteira foi chamada pelo
cônsul em Tóquio, Ricardo
Drummond de Mello. A empreiteira defendeu-se dizendo que
Garcia tem culpa porque fugiu.
Mas prometeu que o levará de volta ao Brasil caso ele queira.
"Situações como essas existem
às centenas no Japão", diz o padre
Evaristo Higa, missionário salesiano na cidade de Hamamatsu.
"Por ganância, atravessadores
continuam trazendo brasileiros
para um Japão em crise. Os brasileiros são colocados para trabalhar em locais horríveis, somente
para pagar as dívidas. Depois, são
jogados nas ruas de um país que
para eles é estranho e hostil."
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