São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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O SONHO ACABOU
Grupo de brasileiros que foram ganhar a vida em Hamamatsu não tem nem onde morar
Imigrantes acabam debaixo da ponte

Marcio Aith/Folha Imagem
Dekassegui brasileira grávida de quatro meses que vive nas ruas de Hamamatsu e que teme voltar ao Brasil, onde "também não há emprego"


do enviado especial a Hamamatsu

Eles o chamam de "edifício deitado". Uma avenida suspensa de 100 metros construída em cima de um rio no centro da cidade de Hamamatsu, na província de Shizuoka, a 250 quilômetros de Tóquio, funciona como telhado para um grupo de sem-teto brasileiros no Japão.
A dois metros debaixo da avenida, eles dormem num vão estreito formado pela parede da calçada de um lado, o rio de outro e a avenida, em cima. Para não caírem no rio enquanto dormem, improvisam uma proteção de papelão. A polícia japonesa já os tirou de lá duas vezes. Agora, ninguém mais liga.
Hamamatsu é a cidade com o maior número de brasileiros no Japão -cerca de 11 mil. Há alguns anos, as pessoas juntavam até 30 mil dólares trabalhando durante dois anos na cidade. Agora, poucos poupam, por uma mudança de mentalidade e por causa da crise. A maioria sobrevive. Pelo menos dois mil estão desempregados.
A maioria dos demitidos faz "arubaito" ("bico", em japonês) e consegue pagar o aluguel. Outros moram nas praças ou sob a avenida. A média salarial dos empregados caiu 20% no último ano. As lojas de produtos brasileiros vendem 40%. menos do que em 1997.
O número de moradores sob o viaduto flutua. Nos dias mais cheios são 30. Nos mais vazios, 10. São brasileiros descendentes de japoneses, de todas as idades, que perderam seus empregos nos últimos meses. Poucos falam japonês.
Todos têm vergonha e não querem dar seus nomes. A maioria não contou para suas famílias no Brasil que o sonho da enriquecer no Japão naufragou.
"Numa família de japoneses, se você não tem emprego é vagabundo. Meus pais são velhos e não vão entender que eu quero trabalhar, mas não consigo. Em alguns meses eu arranjo alguma coisa e volto. Digo que fui roubado", diz Carlos S., 34 anos, demitido há dois meses de uma fábrica de rolamentos. Ele teve três dias para entregar o apartamento emprestado pela empreiteira. Nos dois meses, gastou suas economias, de US$ 6 mil, achando que seria empregado novamente.

"Estamos na pior"
Issao, 33 anos, de Ribeirão Preto, e Fernando, 17 anos, de Diadema, deixam ser fotografados. "Nós estamos na pior mesmo. Qual é a diferença?", argumenta Issao, que trabalhava em Nagóia e perdeu o emprego há um mês.
Ele conta -e todos acreditam- que, por falta de dinheiro, veio andando de Nagóia para Hamamatsu, numa distância de 250 quilômetros. "Achei que ia encontrar emprego aqui", disse ele.
Fernando é o mais novo do grupo. E o mais complicado. Nascido no Brasil, veio ao Japão pela primeira vez com cinco anos, trazido pelo pai, com quem brigou. Ele diz ter dupla nacionalidade, mas, ao mesmo tempo, nenhuma. "Sou japonês para os brasileiros e brasileiro para os japoneses." Diz que largou o emprego porque "não aguentava mais humilhação" e ainda deve 400 mil ienes para a empreiteira, que segurou seu passaporte. "Tô querendo voltar para o Brasil. Se me derem a passagem e o passaporte, volto amanhã."
Há dois casais debaixo da avenida. Fátima, 33, está há quatro meses grávida de Cícero, paulista de 35 anos. Demitido de uma empresa de autopeças, ele quer voltar para o Brasil. "Fazer o que aqui?" Fátima discorda: "E tem emprego no Brasil? É melhor ficar aqui mesmo. Pelo menos a gente economiza o dinheiro da passagem".
Centro industrial, Hamamatsu abriga as fábricas da Honda e da Yamaha e uma centena de fornecedores de autopeças e de eletroeletrônicos. A produção local teve uma redução de 20% no último ano. Várias fábricas que demitem brasileiros estão empregando tailandeses, chineses e coreanos, embora a lei não permita. Para não causar problemas, os novos empregados exercem as mesmas funções que os brasileiros, mas formalmente exercem atividades de estagiários. Eles aceitam ganhar um terço do que ganhavam os dekasseguis. Estima-se que 44,6 milhões de trabalhadores dos principais países afetados pela crise asiática estejam sem emprego.



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