São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil na luta pela classificação

GESNER OLIVEIRA

Se fosse o Campeonato Brasileiro de futebol, o time teria deixado a zona de classificação. Segundo relatório da consultoria A.T. Kearney, divulgado nesta semana, o Brasil caiu do terceiro lugar em 2001 para 13º colocado na lista dos destinos mais atraentes para o investimento direto escolhida pelos executivos das mil maiores companhias do mundo.
O cenário global está desfavorável às inversões em emergentes, inibindo as intenções de investimento nesses países. A China, que acaba de ingressar na OMC (Organização Mundial do Comércio), constitui uma das poucas exceções.
Entre os países emergentes, o país ficou em quarto, perdendo para a China, o México e a Polônia. A queda foi acentuada, já que em 2001 o país ocupou a terceira colocação global -segunda entre os emergentes, atrás da China- e em 2000 ficou em quarto lugar, novamente só perdendo entre os emergentes para a China.
O Relatório de Investimento de 2002 (World Investment Report 2002), da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), também divulgado nesta semana, registrou alterações na captação de investimentos diretos em 2001, que possivelmente serão acentuadas em 2002.
O Brasil manteve o 11º lugar entre os receptores mundiais de investimento direto. Entre os emergentes, o Brasil perdeu o 3º lugar para o México, ainda que por um motivo pontual, com a venda do Banamex ao Citigroup, por US$ 12,5 bilhões.
A questão interessa diretamente ao Brasil, um grande receptor de investimentos diretos, que depende desses fluxos para financiar parcela significativa do déficit em conta corrente. Por exemplo, entre janeiro e julho deste ano o déficit foi de US$ 8,83 bilhões, coberto por um montante quase igual de investimentos diretos: US$ 8,86 bilhões.
Nos últimos anos o ingresso de investimentos diretos vem permitindo um declínio da dívida externa brasileira. A contrapartida é o aumento do estoque de capital estrangeiro, que se incorpora ao chamado passivo externo bruto. Esse último é a soma da dívida com o estoque de capital estrangeiro.
Trata-se, em geral, de uma troca com vantagem. Sob o ponto de vista da vulnerabilidade externa, o capital de investimento não apresenta a volatilidade das aplicações de curto prazo; além disso, os empréstimos convencionais têm data certa para serem pagos e têm sua rolagem sujeita a condições circunstanciais.
Há, no entanto, duas ressalvas que devem ser levadas em consideração em uma economia emergente como a brasileira. Em primeiro lugar, países que não apresentam perspectivas de crescimento de médio prazo acabam induzindo um aumento de remessas de lucros e dividendos em vez de maiores reinvestimentos. Em segundo lugar, o ingresso de inversões destinadas apenas à produção de serviços não-comerciáveis e com aumento da compra de equipamentos importados de forma concentrada no tempo pode exercer pressão adicional sobre o balanço de pagamentos.
A queda dos investimentos diretos no ano passado não se restringiu ao Brasil. O fenômeno está associado às turbulências da economia mundial, agravadas pelo 11 de setembro e pelos escândalos contábeis envolvendo grandes empresas internacionais. Nesse contexto, os fluxos globais de investimento direto estrangeiro caíram de US$ 1,5 trilhão em 2000 para pouco menos da metade, US$ 735 bilhões, em 2001.
Embora tenha havido uma queda em termos absolutos de US$ 32,8 bilhões para US$ 22,5 bilhões, o Brasil conseguiu aumentar sua participação de 2,2% para 3,1% no total dos investimentos em 2001.
Não se confirmaram, portanto, as previsões pessimistas que anteviam o fim absoluto da safra de investimentos no Brasil com o drama argentino, o 11 de setembro e a crise do apagão. Se o país continuar reduzindo a sua necessidade de financiamento externo por meio da redução do déficit em conta corrente, os fluxos atuais continuarão a financiar praticamente a totalidade do déficit nos próximos meses.
A exemplo do Brasileiro-2002, as mudanças na classificação ocorrem com enorme frequência, praticamente a cada rodada. Por exemplo, a crise que se seguiu à desvalorização cambial brasileira em 1999 não impediu uma forte recuperação da confiança no país no ano seguinte.
Superadas as incertezas associadas às eleições, o país poderá voltar a ocupar os primeiros lugares na preferência global, como ocorreu nos anos anteriores. Desde, é claro, que se adote uma política econômica consistente nos próximos anos.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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