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OPINIÃO ECONÔMICA
Brasil, esquentai vossos pandeiros!
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor (...)
O Tio Sam está querendo conhecer a
nossa batucada (...)
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar." Assis Valente
No artigo da quinta-feira
passada, procurei mostrar
que a velocidade do ajustamento
das contas externas está sendo
muito maior do que se previa há
três meses, quando o Brasil assinou o seu mais recente acordo
com o FMI. Comecei a defender a
tese, que talvez pareça extravagante e até meio aloprada, de que
o Brasil pode pensar seriamente
em dispensar o FMI. De repente, o
espaço acabou, só me restando
pedir ao leitor que aguardasse o
artigo de hoje.
Uma amiga querida, casada há
mais de 40 anos com um francês,
daqueles muito chegados à lógica
cartesiana e à fundamentação
numérica, costuma interrompê-lo
com a advertência: "Michel, estatística mata qualquer conversa!".
Na semana passada, preocupado
em dissipar a impressão de loucura, cometi o mesmo engano fatal:
abusei dos números. A legibilidade do artigo ficou bastante prejudicada. Paciência. Hoje vai ser diferente.
Teses ousadas costumam dar
margem a mal-entendidos de todo tipo. Por exemplo: alguns deduziram que o autor destas linhas
merecia realmente uma camisa-de-força rápida, pois estava querendo dispensar os US$ 27 bilhões
ainda não desembolsados e
"romper" com o FMI.
Alto lá! Não se trata, leitor, de
sugerir que o governo Lula denuncie o acordo com o FMI e
rompa relações com esse benfazejo organismo. E nem mesmo de
reeditar o gesto dramático daquele perigoso radical, Juscelino Kubitschek, que em 1959 suspendeu
negociações com o FMI e transformou a decisão em bandeira
política (ver a respeito desse episódio emblemático o artigo de
Celso Furtado "Revisitando JK",
Folha, 15 de setembro de 2002,
pág. A3). Trata-se apenas de trabalhar o mais rápido possível para poder abrir mão dos empréstimos do FMI.
Será difícil, evidentemente, alcançar esse objetivo no ano que
vem. O estrago provocado pelo
governo Fernando Henrique Cardoso nas contas externas do Brasil não será superado em prazo
curto. Mas, se a nova política econômica for bem conduzida, com
foco no essencial, o Brasil poderá
muito bem dispensar a renovação do acordo atual, que expira
no final de 2003. Mais do que isso: talvez seja possível não sacar
as parcelas finais do empréstimo,
cujos desembolsos estão previstos
para agosto e novembro.
Por que essa preocupação? O
FMI é um organismo político,
controlado pelos principais países
desenvolvidos, notadamente pelos EUA. Como já foi comentado
mais de uma vez nesta coluna, esses países não se constrangem em
utilizar o FMI como instrumento
de suas agendas nacionais.
Além disso, não vamos esquecer
que os tais US$ 27 bilhões são um
pouco "teóricos", vale dizer, o seu
desembolso será feito em parcelas
e estará estritamente condicionado a compromissos e exigências
ainda não totalmente especificados (para o cronograma de desembolsos e as suas precondições
gerais ver "Brazil - Technical Memorandum of Understanding",
table 1, August 29, 2002,
www.imf.org). Pior: a experiência de diversos países (vide Argentina em 2002, por exemplo)
mostra que, dependendo das circunstâncias políticas e das prioridades dos países desenvolvidos, a
lista de exigências do FMI pode
aumentar de forma imprevisível...
Não vamos nos enganar. As forças econômicas e políticas derrotadas na eleição de 2002 querem
agora mudar o resultado no "tapetão". Há várias maneiras de
tentar fazê-lo. Um exemplo: votar
a independência ou autonomia
do Banco Central, procurando tirá-lo das mãos do presidente eleito. O primeiro passo é induzi-lo a
nomear uma diretoria confiável
aos olhos dos mercados financeiros externos e internos. O segundo é dar mandato fixo e longo a
essa diretoria. No acordo com o
FMI, a autonomia do Banco Central está expressamente mencionada ("Brazil Memorandum of
Economic Policies", parágrafo 18,
August 29, 2002, www.imf.org).
Outro exemplo de manobra de
"tapetão": usar o FMI como alavanca para vencer resistências do
novo governo à Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Ressalte-se que não há nenhuma base jurídica para vincular essas
duas negociações. Não há nada
nos estatutos do FMI que o autorize a induzir ou forçar países
submetidos a seus programas de
ajuste a participar de áreas de livre comércio, uniões aduaneiras
ou outros esquemas comerciais
regionais. Na prática, contudo, há
risco considerável de que uma
eventual tentativa do governo
Lula de defender com mais vigor
os interesses do país no âmbito da
Alca possa repercutir de forma
desfavorável nas sucessivas revisões e desembolsos previstos no
acordo com o FMI.
Em suma, por essas e outras razões, é fundamental que o novo
governo trabalhe sistematicamente para se tornar independente dos conselhos e auxílios do
Fundo. Trata-se, fundamentalmente, de gerar um superávit
substancial em moeda estrangeira. Não é nada fácil, reconheço.
Mas não é impossível.
"Chegou a hora dessa gente
bronzeada mostrar seu valor!"
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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