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ARTIGO
Pessimismo do Homem de Davos é ilusório como a euforia da bolha
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Depois da reunião do ano
passado em Nova York, o
Fórum Econômico Mundial voltou para casa. Mas a confiança de
alguns anos atrás desapareceu. O
colapso da bolha do mercado de
ações, o fraco crescimento, os ultrajes terroristas de 11 de setembro de 2001 e agora a ameaça de
guerra contra o Iraque abalaram
as suposições otimistas sobre as
quais tão recentemente se baseava
essa reunião anual da elite global.
Para muitos participantes de Davos neste ano, o mundo é um lugar sombrio.
Aos olhos do Homem de Davos,
a década de 90 é um paraíso de tolos. Para eles, a queda do comunismo, a ascensão da economia
globalizada e tecnologias incríveis
criariam uma nova economia e
uma nova ordem mundial. O capital e o comércio fluiriam livremente, as economias com abertura internacional prosperariam, as
Bolsas subiriam e os homens de
negócios seriam tão admirados
quanto ricos.
Na reunião do ano passado, essa
euforia tinha desaparecido. Mas
os participantes estavam unidos
na tragédia. Em 2003, nem isso é
verdade: a guerra é iminente e o
mundo está dividido. Até empresários europeus conservadores
acham a arrogância de poder do
governo americano -perfeitamente personificada no secretário
da Defesa, Donald Rumsfeld-
perturbadora e desagradável.
Mas depois da noite vem o dia.
É concebível que 2003 veja o início de uma reviravolta nos destinos políticos e econômicos globais. As ansiedades de hoje poderão se mostrar tão superadas
quanto a euforia da era da bolha.
Começando pela guerra iminente. A posição dos EUA foi brutalmente explicada pelo secretário
de Estado, Colin Powell: "Os Estados Unidos não têm pressa de ir à
guerra. Desejamos o desarmamento pacífico do Iraque. Mas
não recuaremos da guerra se essa
for a única maneira de livrar o Iraque de suas armas de destruição
em massa".
Ainda assim, é possível imaginar desfechos relativamente benignos. Saddam Hussein pode ser
convencido a sair tranqüilamente. Os EUA podem obter da ONU
uma autorização para a guerra.
Principalmente, a guerra pode ser
tão rápida, tão barata em termos
de vidas de ambos os lados e tão
popular nas ruas de Bagdá que tudo (ou quase tudo) será perdoado. Os EUA poderão então montar um plano generoso e viável para salvar o Iraque. Poderão até retirar suas tropas da Arábia Saudita e sua aquiescência às políticas
falidas de Ariel Sharon.
O leitor pode achar que os porcos vão voar. Mas o fim do medo
da guerra em si poderá mudar
muita coisa para melhor. Sensata
ou não, uma guerra no Iraque
provavelmente não será um precedente para novas guerras. As
mudanças políticas na região, se
houver, ocorrerão através da
transformação interna.
A única superpotência não pode usar sua superioridade militar
para lidar com as ameaças representadas pela Coréia do Norte ou
a al-Qaeda. Não pode ser louca a
ponto de atacar o Irã, terceiro
membro de seu "eixo do mal".
Depois da guerra, as relações com
os europeus deverão melhorar. O
amor pode ter desaparecido, mas
resta um poderoso casamento de
conveniência. EUA e Europa têm
de cooperar sobre terrorismo, comércio e uma série de outros interesses que os unem.
Passemos à economia. As grandes economias mundiais -EUA,
zona do euro e Japão- tinham
perdido quase todo o fôlego no
último trimestre de 2002. Com o
barril de petróleo a US$ 30, as
perspectivas em curto prazo realmente parecem desanimadoras.
No fio da navalha
A demanda global depende de
uma economia americana abalada por mercados de ações fracos,
empresas em dificuldades e consumidores endividados. As economias japonesa e alemã, que representam quase um quinto da
produção mundial, deixaram de
crescer. A economia chinesa, a
mais dinâmica do mundo, ainda
gera apenas 4% da produção
mundial em preços de mercado, e
a América Latina está em dificuldades, com o Brasil no fio da navalha da insolvência fiscal.
No entanto, ainda é mais racional ser otimista hoje do que um
ano atrás. A produção de petróleo
ampliada e a utilização de estoques oficiais sauditas deverão
compensar qualquer interrupção
no abastecimento durante uma
guerra. Depois, os preços do petróleo deverão cair.
A necessária correção nas Bolsas está basicamente concluída,
com a importante exceção dos
EUA, onde as ações, embora não
mais exorbitantemente caras, estão longe de ser baratas. Erros para baixo sempre são prováveis,
mas os mercados talvez não estejam tão distantes do fundo.
A lenta queda do dólar, em baixa de cerca de 15% de seu pico de
valorização, certamente é boa para os EUA. Há muito tempo é difícil acreditar que o consumidor
americano possa continuar gastando mais rápido do que ganha.
Os gastos das empresas devem
continuar modestos, diante da capacidade excedente. Estados e governos locais estão sendo obrigados a cortar despesas e aumentar
impostos.
Isso deixa o governo federal e o
comércio exterior como fontes de
demanda. Nesse contexto, um
dólar fraco é benéfico. Certamente é necessário para pôr fim à insustentável deterioração da balança comercial.
Para outras economias avançadas, o dólar fraco e a falta de dinamismo dos EUA são ameaçadores. Mas as ameaças às vezes são
necessárias. O dólar em queda poderá finalmente forçar mudanças
políticas desesperadamente necessárias.
No Japão, novos presidente e vice-presidente do Banco Central
serão indicados em breve. O dólar
em queda deverá aumentar a
pressão sobre o primeiro-ministro para indicar pessoas empenhadas em erradicar a deflação.
De modo semelhante, um euro
forte retira o último esteio do
crescimento alemão, mas também é deflacionário. Com os preços do petróleo mais baixos, o
Banco Central Europeu provavelmente abrandará a política monetária. Enquanto isso, mudanças
no pacto de crescimento e estabilidade estão aliviando seu impacto contracionário pró-cíclico.
Lula, esperança e disciplina
Existem sinais de esperança em
outros lugares. Luiz Inácio Lula
da Silva, o novo presidente brasileiro, até agora não errou o passo
em seus esforços para combinar
uma mensagem de esperança para os pobres do Brasil com outra
de disciplina fiscal. As probabilidades de evitar uma reestruturação forçada da dívida estão aumentando.
Os riscos políticos e econômicos
são grandes. Parece inconcebível
um forte crescimento global neste
ano. O próximo talvez não seja
muito melhor. Mas podem-se
identificar as possibilidades de reversão.
A crise do Iraque deve terminar
logo e, com ela, a cisão no Ocidente. Os preços do petróleo devem
cair. As Bolsas podem chegar ao
fundo, e a correção do dólar pode
continuar.
Com o dólar mais fraco, o Japão
pode se sentir obrigado a acelerar
a expansão monetária e as reformas estruturais, enquanto a Alemanha, que carece de todos os
instrumentos de política macroeconômica, pode finalmente se
sentir pressionada a adotar a desregulamentação.
Por fim, mas não menos importante, a nova rodada comercial
pode se beneficiar da atuação de
fazedores de políticas preocupados, em parte para afastar a percepção de desordem no Ocidente.
O desespero é um pecado. O
mundo pode melhorar mais uma
vez. É nosso dever fazer com que
isso aconteça.
Tradução Luiz Roberto Gonçalves
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