UOL


São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Pessimismo do Homem de Davos é ilusório como a euforia da bolha

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Depois da reunião do ano passado em Nova York, o Fórum Econômico Mundial voltou para casa. Mas a confiança de alguns anos atrás desapareceu. O colapso da bolha do mercado de ações, o fraco crescimento, os ultrajes terroristas de 11 de setembro de 2001 e agora a ameaça de guerra contra o Iraque abalaram as suposições otimistas sobre as quais tão recentemente se baseava essa reunião anual da elite global. Para muitos participantes de Davos neste ano, o mundo é um lugar sombrio.
Aos olhos do Homem de Davos, a década de 90 é um paraíso de tolos. Para eles, a queda do comunismo, a ascensão da economia globalizada e tecnologias incríveis criariam uma nova economia e uma nova ordem mundial. O capital e o comércio fluiriam livremente, as economias com abertura internacional prosperariam, as Bolsas subiriam e os homens de negócios seriam tão admirados quanto ricos.
Na reunião do ano passado, essa euforia tinha desaparecido. Mas os participantes estavam unidos na tragédia. Em 2003, nem isso é verdade: a guerra é iminente e o mundo está dividido. Até empresários europeus conservadores acham a arrogância de poder do governo americano -perfeitamente personificada no secretário da Defesa, Donald Rumsfeld- perturbadora e desagradável.
Mas depois da noite vem o dia. É concebível que 2003 veja o início de uma reviravolta nos destinos políticos e econômicos globais. As ansiedades de hoje poderão se mostrar tão superadas quanto a euforia da era da bolha.
Começando pela guerra iminente. A posição dos EUA foi brutalmente explicada pelo secretário de Estado, Colin Powell: "Os Estados Unidos não têm pressa de ir à guerra. Desejamos o desarmamento pacífico do Iraque. Mas não recuaremos da guerra se essa for a única maneira de livrar o Iraque de suas armas de destruição em massa".
Ainda assim, é possível imaginar desfechos relativamente benignos. Saddam Hussein pode ser convencido a sair tranqüilamente. Os EUA podem obter da ONU uma autorização para a guerra. Principalmente, a guerra pode ser tão rápida, tão barata em termos de vidas de ambos os lados e tão popular nas ruas de Bagdá que tudo (ou quase tudo) será perdoado. Os EUA poderão então montar um plano generoso e viável para salvar o Iraque. Poderão até retirar suas tropas da Arábia Saudita e sua aquiescência às políticas falidas de Ariel Sharon.
O leitor pode achar que os porcos vão voar. Mas o fim do medo da guerra em si poderá mudar muita coisa para melhor. Sensata ou não, uma guerra no Iraque provavelmente não será um precedente para novas guerras. As mudanças políticas na região, se houver, ocorrerão através da transformação interna.
A única superpotência não pode usar sua superioridade militar para lidar com as ameaças representadas pela Coréia do Norte ou a al-Qaeda. Não pode ser louca a ponto de atacar o Irã, terceiro membro de seu "eixo do mal". Depois da guerra, as relações com os europeus deverão melhorar. O amor pode ter desaparecido, mas resta um poderoso casamento de conveniência. EUA e Europa têm de cooperar sobre terrorismo, comércio e uma série de outros interesses que os unem.
Passemos à economia. As grandes economias mundiais -EUA, zona do euro e Japão- tinham perdido quase todo o fôlego no último trimestre de 2002. Com o barril de petróleo a US$ 30, as perspectivas em curto prazo realmente parecem desanimadoras.

No fio da navalha
A demanda global depende de uma economia americana abalada por mercados de ações fracos, empresas em dificuldades e consumidores endividados. As economias japonesa e alemã, que representam quase um quinto da produção mundial, deixaram de crescer. A economia chinesa, a mais dinâmica do mundo, ainda gera apenas 4% da produção mundial em preços de mercado, e a América Latina está em dificuldades, com o Brasil no fio da navalha da insolvência fiscal.
No entanto, ainda é mais racional ser otimista hoje do que um ano atrás. A produção de petróleo ampliada e a utilização de estoques oficiais sauditas deverão compensar qualquer interrupção no abastecimento durante uma guerra. Depois, os preços do petróleo deverão cair.
A necessária correção nas Bolsas está basicamente concluída, com a importante exceção dos EUA, onde as ações, embora não mais exorbitantemente caras, estão longe de ser baratas. Erros para baixo sempre são prováveis, mas os mercados talvez não estejam tão distantes do fundo.
A lenta queda do dólar, em baixa de cerca de 15% de seu pico de valorização, certamente é boa para os EUA. Há muito tempo é difícil acreditar que o consumidor americano possa continuar gastando mais rápido do que ganha. Os gastos das empresas devem continuar modestos, diante da capacidade excedente. Estados e governos locais estão sendo obrigados a cortar despesas e aumentar impostos.
Isso deixa o governo federal e o comércio exterior como fontes de demanda. Nesse contexto, um dólar fraco é benéfico. Certamente é necessário para pôr fim à insustentável deterioração da balança comercial.
Para outras economias avançadas, o dólar fraco e a falta de dinamismo dos EUA são ameaçadores. Mas as ameaças às vezes são necessárias. O dólar em queda poderá finalmente forçar mudanças políticas desesperadamente necessárias.
No Japão, novos presidente e vice-presidente do Banco Central serão indicados em breve. O dólar em queda deverá aumentar a pressão sobre o primeiro-ministro para indicar pessoas empenhadas em erradicar a deflação.
De modo semelhante, um euro forte retira o último esteio do crescimento alemão, mas também é deflacionário. Com os preços do petróleo mais baixos, o Banco Central Europeu provavelmente abrandará a política monetária. Enquanto isso, mudanças no pacto de crescimento e estabilidade estão aliviando seu impacto contracionário pró-cíclico.

Lula, esperança e disciplina
Existem sinais de esperança em outros lugares. Luiz Inácio Lula da Silva, o novo presidente brasileiro, até agora não errou o passo em seus esforços para combinar uma mensagem de esperança para os pobres do Brasil com outra de disciplina fiscal. As probabilidades de evitar uma reestruturação forçada da dívida estão aumentando.
Os riscos políticos e econômicos são grandes. Parece inconcebível um forte crescimento global neste ano. O próximo talvez não seja muito melhor. Mas podem-se identificar as possibilidades de reversão.
A crise do Iraque deve terminar logo e, com ela, a cisão no Ocidente. Os preços do petróleo devem cair. As Bolsas podem chegar ao fundo, e a correção do dólar pode continuar.
Com o dólar mais fraco, o Japão pode se sentir obrigado a acelerar a expansão monetária e as reformas estruturais, enquanto a Alemanha, que carece de todos os instrumentos de política macroeconômica, pode finalmente se sentir pressionada a adotar a desregulamentação.
Por fim, mas não menos importante, a nova rodada comercial pode se beneficiar da atuação de fazedores de políticas preocupados, em parte para afastar a percepção de desordem no Ocidente.
O desespero é um pecado. O mundo pode melhorar mais uma vez. É nosso dever fazer com que isso aconteça.


Tradução Luiz Roberto Gonçalves



Texto Anterior: Troca no império: Indicado de Bush para o Tesouro apóia dólar forte e menos impostos
Próximo Texto: Artigo: Bolsas podem subir com início da guerra, mas terão força?
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.