São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Ainda há dúvida sobre solidez

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Desde 1999 , quando foi iniciado o programa de ajuste fiscal, autoridades e especialistas antevêem "a hora da virada" -o momento em que a dívida pública passaria a seguir uma trajetória de queda, que acalmaria os investidores, permitiria a queda dos juros e da carga tributária e abriria caminho para o crescimento econômico duradouro.
Pois bem: cinco anos depois, em 2004, a dívida pública caiu, como proporção do PIB, pela primeira vez em dez anos, e a dimensão da queda superou as expectativas mais otimistas. A economia segue aquecida, e não há turbulências externas à vista. Dificilmente um momento seria tão propício para "a virada". E, no entanto, os juros estão prestes a completar uma inédita seqüência de seis meses de alta, o que pode comprometer o crescimento e a própria redução da dívida; a carga de impostos segue aumentando; o governo prepara mais um corte nos investimentos públicos.
Os críticos do atual modelo econômico apontam que o aparente paradoxo é explicado pelo excesso de ortodoxia aplicado nos governos FHC e Lula. Por esse raciocínio, metas irrealistas para a inflação e as contas públicas acabam levando a políticas monetária e fiscal incompatíveis entre si.
Para os seus defensores, o sucesso do modelo é uma questão de perseverança: mesmo que haja reveses ocasionais, como uma bolha inflacionária ou uma crise internacional, o esforço acabará dando resultados, ainda que estes demorem -e 2004 seria uma prova disso.
Mas, mesmo sob a ótica ortodoxa, há uma série de dúvidas a respeito da solidez dos bons números obtidos no ano passado.
Ao contrário do que recomenda a cartilha liberal, o ajuste fiscal brasileiro foi e continua sendo feito à base de aumento de receitas, e não de redução de despesas permanentes. Os gastos do governo federal, excluindo juros, passaram de R$ 259 bilhões, em 2003, para R$ 306 bilhões, em 2004.
As despesas com pessoal tiveram aumento de 12,4% -e o governo Lula interrompeu, pela primeira vez desde os anos 90, o processo de redução da quantidade de funcionários públicos: só entre os civis do Executivo, o número passou de 456,7 mil para 497 mil em setembro. Os gastos com custeio subiram ainda mais, na casa dos 25%. O déficit da Previdência subiu 14% acima da inflação.
Como tais despesas crescem a cada ano, resta ao governo elevar a carga tributária e sacrificar os investimentos, o que dificulta o crescimento. Sem crescimento, a relação dívida/PIB não é reduzida, porque os superávits primários, mesmo recordes, são insuficientes para cobrir as despesas com juros. Resultados como os de 2004, portanto, continuarão dependendo da rara combinação de situação externa favorável, juros em queda, câmbio estável e sorte.


Texto Anterior: Receita ortodoxa: Brasil está em 6º em superávit primário
Próximo Texto: Opinião econômica - Gesner Oliveira: A economia política dos juros
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.