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ANÁLISE
Ainda há dúvida sobre solidez
GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Desde 1999 , quando foi iniciado o programa de ajuste
fiscal, autoridades e especialistas
antevêem "a hora da virada" -o
momento em que a dívida pública
passaria a seguir uma trajetória de
queda, que acalmaria os investidores, permitiria a queda dos juros e da carga tributária e abriria
caminho para o crescimento econômico duradouro.
Pois bem: cinco anos depois, em
2004, a dívida pública caiu, como
proporção do PIB, pela primeira
vez em dez anos, e a dimensão da
queda superou as expectativas
mais otimistas. A economia segue
aquecida, e não há turbulências
externas à vista. Dificilmente um
momento seria tão propício para
"a virada". E, no entanto, os juros
estão prestes a completar uma
inédita seqüência de seis meses de
alta, o que pode comprometer o
crescimento e a própria redução
da dívida; a carga de impostos segue aumentando; o governo prepara mais um corte nos investimentos públicos.
Os críticos do atual modelo econômico apontam que o aparente
paradoxo é explicado pelo excesso de ortodoxia aplicado nos governos FHC e Lula. Por esse raciocínio, metas irrealistas para a inflação e as contas públicas acabam levando a políticas monetária e fiscal incompatíveis entre si.
Para os seus defensores, o sucesso do modelo é uma questão de
perseverança: mesmo que haja reveses ocasionais, como uma bolha inflacionária ou uma crise internacional, o esforço acabará
dando resultados, ainda que estes
demorem -e 2004 seria uma
prova disso.
Mas, mesmo sob a ótica ortodoxa, há uma série de dúvidas a respeito da solidez dos bons números obtidos no ano passado.
Ao contrário do que recomenda
a cartilha liberal, o ajuste fiscal
brasileiro foi e continua sendo feito à base de aumento de receitas, e
não de redução de despesas permanentes. Os gastos do governo
federal, excluindo juros, passaram de R$ 259 bilhões, em 2003,
para R$ 306 bilhões, em 2004.
As despesas com pessoal tiveram aumento de 12,4% -e o governo Lula interrompeu, pela primeira vez desde os anos 90, o processo de redução da quantidade
de funcionários públicos: só entre
os civis do Executivo, o número
passou de 456,7 mil para 497 mil
em setembro. Os gastos com custeio subiram ainda mais, na casa
dos 25%. O déficit da Previdência
subiu 14% acima da inflação.
Como tais despesas crescem a
cada ano, resta ao governo elevar
a carga tributária e sacrificar os
investimentos, o que dificulta o
crescimento. Sem crescimento, a
relação dívida/PIB não é reduzida, porque os superávits primários, mesmo recordes, são insuficientes para cobrir as despesas
com juros. Resultados como os de
2004, portanto, continuarão dependendo da rara combinação de
situação externa favorável, juros
em queda, câmbio estável e sorte.
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