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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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LUÍS NASSIF

O terminal de Lula

Há duas hipóteses para a afirmação de Lula -na posse do presidente da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos- de que passa o dia consultando um terminal de mercado acompanhando as cotações.
A hipótese otimista é a de que soltou uma bela piada, a exemplo da história da pesca de lambari e de jaú -ao se dirigir a Paulo Maluf e mencionar a dificuldade de apanhar peixe grande na rede. A hipótese pessimista é que tenha falado sério.
Lula é sujeito formado em chão de fábrica. Aprendeu no dia-a-dia a importância da produção, da gestão. Nas negociações com as empresas, entendeu a importância de o setor ir bem para os trabalhadores irem bem.
Essa imensa alienação na qual o país se meteu na última década jogou para segundo plano os valores do trabalho e da gestão e para primeiro essa macumba cibernética de julgar que o futuro do país se molda perdendo tempo com o dia-a-dia do mercado. Para os viciados em notícias de mercado -que não sejam os próprios operadores, que têm por obrigação acompanhar as cotações-, sugere-se urgente inscrição na AMA (Associação dos Midiamaníacos Anônimos). Jamais para quem pensa em construir uma nação. O mercado é apenas um ângulo, uma consequência de um projeto consistente de país.
Lula tem o poder do discurso, da mobilização. Com esse mesmo poder, JK mudou a face do país, em parte por sua visão de futuro, em grande parte por trazer novos paradigmas, levantar a bandeira do "plano de metas" que foi absorvida por todas as empresas do país. Da pequena à grande, toda empresa fazia questão de ter seu "plano de metas", que nada mais era do que a visão de futuro, pensar a empresa para os próximos dez anos e começar a prepará-la para alcançar o objetivo proposto.
Lula exercita magnificamente o discurso da melhoria da auto-estima nacional. Mas e daí? Não pode ficar no ufano-porque-me-ufano. O discurso tem que ser mobilizador. O sujeito tem que ouvir, acreditar que somos capazes de enfrentar o mundo e partir para a ação; caso contrário, ouve o discurso, canta o Hino Nacional e vai para casa dormir.
Lula tem à sua disposição uma bandeira desenvolvida ao longo da última década, tão importante quanto a bandeira do "plano de metas" que JK recebeu dos engenheiros da Cemig e espalhou pelo país. Trata-se da bandeira da qualidade e da competitividade. Saia da frente do terminal e vá conhecer o trabalho das freirinhas do Hospital Santa Marcelina, em São Paulo, ou da Santa Casa de Porto Alegre. Visite as prefeituras que aplicaram programas de qualidade. Conheça o programa gaúcho e o carioca. Visite as grandes empresas brasileiras que se tornaram excelência mundial em gestão.
Lula poderia revirar esse país pelo avesso, transformar o discurso em uma ação concatenada, em torno de um tema que permitiria ao país recuperar o sonho do desenvolvimento. Estimular cada cidadão a ter seu indicador, a sua meta, o seu objetivo.
Mas tem que sair da frente do terminal.

E-mail - LNassif@uol.com.br

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