São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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CONJUNTURA

Mesmo com incentivo do governo, executivos não têm intenção de abrir fábricas ou escritórios fora do país

Investir no exterior está fora da ordem do dia

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Bem quando o governo decide lançar uma linha de financiamento para internacionalizar as empresas brasileiras estudos constatam: a maioria dos executivos não tem intenção de investir no exterior, e há dúvidas entre economistas se é bom para o Brasil bancar investimentos em outros países.
Consultas feitas no final de 2001 e no início deste ano com empresas exportadoras mostram que o interesse pelo mercado externo não é tão forte a ponto de abrir escritórios ou fábricas no exterior. Especialistas levantam a seguinte questão: é hora de o país financiar investimentos fora? O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) anunciou na semana passada que vai criar linha de financiamento para promover a internacionalização das empresas brasileiras.
"Apoiar investimentos em comércio e distribuição de produtos no exterior é apoiar emprego no Brasil, mas em fábrica é uma questão bem mais polêmica", diz Roberto Iglesias, coordenador de trabalho da Funcex (Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior) sobre Promoção das Exportações via Internacionalização das Firmas de Capital Brasileiro.
Levantamento da Funcex revela que 71% de 322 empresas de capital nacional exportadoras consultadas no início deste ano não pretendem investir no exterior. Considerando apenas as empresas de grande porte, com mais de 500 empregados, que representam 21% da amostra, esse percentual ainda é muito alto, de 66,7%.
A principal razão mencionada pelos empresários é a falta de necessidade. Isto é, investimentos no mercado externo não fazem parte das estratégias das empresas. Depois citam o fato de que os produtos que fabricam não exigem estrutura fora do país (como assistência técnica) e, em seguida, as dificuldades para realizar investimentos em outros mercados.
A Fundação Dom Cabral também verificou em levantamento feito no final de 2001 que as empresas brasileiras têm pouco interesse no mercado internacional. Comparando as estratégias das companhias do Brasil com as de outros 49 países, o país fica em 30º lugar entre os que vêem o mercado externo como atraente.
Entre os dez países mais ávidos para investir estão Suíça, Alemanha, Suécia, Finlândia, Hong Kong, Cingapura e Chile -países com mercado interno pequeno.
"As empresas brasileiras não têm cultura voltada para a internacionalização. O foco é para o mercado interno, que tem enorme potencial", afirma Carlos Arruda, diretor de desenvolvimento da Fundação Dom Cabral.
"O mercado externo para as empresas brasileiras ainda é usado como válvula de escape, e não como estratégia de vendas", diz José Augusto de Castro, diretor da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).
A cultura de dar preferência ao mercado local é típica dos países com potencial de crescimento e em desenvolvimento. No caso do Brasil, a filosofia da maioria dos empresários é a seguinte: se é possível vender a produção aqui, por que investir na conquista de clientes em outros mercados?

Polêmica
Os especialistas em comércio exterior e os empresários estão divididos quanto aos benefícios trazidos para o Brasil dos investimentos no exterior. Pelo levantamento da Funcex, o investimento externo é importante se resultar na expansão das exportações do país e contribuir para aumentar a produtividade das empresas.
Para Mariano Laplane, professor do Instituto de Economia da Unicamp, a linha de financiamento para a internacionalização das empresas que o BNDES vai criar não faz sentido se considerar a pauta de exportação atual, concentrada em commodities e produtos semi-elaborados.
"Agora, vale se o país quiser colocar no exterior produtos novos, com maior valor agregado, que vão demandar, por exemplo, assistência técnica local", afirma Laplane. O estímulo à internacionalização de empresas, diz, não pode ser para qualquer um. "O BNDES não pode dar dinheiro para um banco abrir agência fora, mas sim para aumentar as exportações de um determinado setor."
A pauta de exportação do país, destaca a Funcex, está concentrada em produtos como complexo soja, café, açúcar, fumo, minério de ferro, alumínio e semimanufaturados de ferro e aço, que não exigem instalações no exterior para acompanhamento até a chegada aos clientes ou manutenção.
O Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) defende a idéia de que a linha de financiamento à internacionalização das empresas é necessária e tende a beneficiar as exportações brasileiras. Para alguns setores, como o siderúrgico, estar fora é quase uma condição para ser competitivo e ainda uma maneira de driblar as barreiras protecionistas dos países desenvolvidos.

Início
Os investimentos de empresas brasileiras no exterior começaram a partir de meados dos anos 60. Até o início da década de 80 a internacionalização ficou concentrada na Petrobras, em instituições financeiras e em empresas do setor de construção civil.
A Petrobras foi ao exterior motivada pela procura de fontes alternativas de fornecimento de petróleo. Os bancos buscaram acesso à captação no mercado internacional e, as construtoras, oportunidades para escapar da crise do país pós milagre econômico.
Pelo levantamento da Funcex, ate o início da década de 80 poucas empresas manufatureiras tinham investido no exterior. Entre elas, Copersucar e Gerdau.
A partir da década de 80, o que se verificou foram mudanças nas características de investimentos. Diferentemente de anos anteriores, quando só grandes empresas, com faturamento acima de US$ 500 milhões, arriscavam investir fora do país, empresas menores começaram a ir para fora, especialmente na América do Sul. Os setores que mais se internacionalizaram foram material de transporte, têxtil e siderurgia.
A tendência, na análise de especialistas em comércio exterior, é o país avançar daqui para a frente no processo de internacionalização das empresas.
A participação das empresas brasileiras no exterior ainda é considerada tímida. O Brasil ocupa a 28ª colocação num ranking de 49 países que mais investem no exterior, segundo levantamento da Unctad de 99, está atrás da Coréia (21ª) e do Chile (18ª), por exemplo. Enquanto o país colocou no exterior US$ 1,7 bilhão em 99, Coréia e Chile levaram mais de US$ 4 bilhões.


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