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São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A Alca e o Dia do Trabalho

BENJAMIN STEINBRUCH

O mundo todo, exceto os Estados Unidos, comemora depois de amanhã o Dia do Trabalho, num momento em que a escassez de empregos é a grande ameaça para a humanidade. Na semana passada, o secretário do Tesouro americano, John Snow, veio ao Brasil e deu uma declaração oficial sobre as intenções de seu país ao negociar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). "Tudo está sobre a mesa de negociações", inclusive os subsídios agrícolas, disse Snow.
E o que têm a ver Snow e a Alca com o Dia do Trabalho? Certamente, muita coisa. O objetivo declarado da Alca é a liberalização do comércio nas três Américas, com a criação de um mercado amplo no qual importações e exportações ocorram sem cobrança de tarifas.
Cerca de 800 milhões de pessoas vivem nos 34 países do continente e o PIB conjunto atinge US$ 11,5 bilhões. Em números aproximados, o PIB dos EUA representa 80% desse total, o do Canadá, 6%, e o do Brasil, 5%.
Essa disparidade de forças econômicas está na base das preocupações a respeito da viabilidade da Alca. A enorme concorrência continental que se estabeleceria com o livre comércio levaria milhares de empresas não-competitivas a fechar as portas, enquanto suas concorrentes prosperariam em outros países. Isso provocaria desemprego em alguns lugares e expansão do mercado de trabalho em outros.
A pergunta que ninguém ainda sabe responder é quais países vão ganhar e quais vão perder empregos. O empenho dos EUA em promover o acordo indica que os americanos imaginam tirar vantagens dele. Essa idéia está explícita no artigo 1º do TPA, a lei que autoriza o presidente George W. Bush a negociar os acordos comerciais da Alca sem aprovação do Congresso. O texto diz que "a expansão do comércio internacional é vital para a segurança nacional" e "elemento crítico para o crescimento econômico, o poderio e a liderança dos EUA".
Está claro, portanto, que os americanos esperam tirar da Alca mais crescimento econômico e mais empregos para seus cidadãos. Isso, aliás, é o que pretende qualquer um dos países da região. O problema é que, pelo seu inegável poderio econômico e político, os EUA estão muito mais capacitados a conseguir seu intento do que os demais países, alguns muito pequenos como o Paraguai, que tem apenas 0,07% do PIB das Américas.
É simples explicar por que os EUA estão em vantagem. O objetivo da Alca é reduzir tarifas comerciais. Ocorre que os EUA já têm a tarifa média mais baixa do continente, de 3% -a brasileira está entre 10% e 12%. A redução de tarifas a ser acertada na Alca, portanto, afetaria pouco os EUA e muito o Brasil e outros países da região. Em outras palavras, o mercado brasileiro ficaria muito mais vulnerável à "invasão" estrangeira do que o americano, que já é aberto.
O protecionismo americano, dadas a baixas tarifas médias, se faz por cotas e pelos chamados picos tarifários, que são impostos altíssimos aplicados sobre a importação de alguns produtos que o país considera sensíveis. Estão nessa condição importantes produtos brasileiros de exportação, aliás os mais competitivos, como suco de laranja, açúcar, tabaco, aço, têxteis e calçados. Em alguns casos, a tarifa já atingiu até 450%.
Os americanos fazem isso para proteger produtores ineficientes, que não modernizaram seus métodos e processos produtivos. Além dos picos tarifários, oferecem subsídios bilionários. Só a agricultura tem recebido mais de US$ 32 bilhões anuais em subsídios.
O ceticismo com a Alca advém do fato de que se sabe que os EUA não pretendem alterar sua posição em relação a esses produtos sensíveis, em razão do poderoso lobby político exercido pelos fornecedores locais. O próprio TPA exige que o presidente da República consulte o Congresso caso pretenda negociar o livre ingresso desses itens com os países da Alca.
Por isso, a declaração do secretário do Tesouro, na semana passada, sobre a intenção americana de colocar "tudo" na mesa de negociações da Alca pareceu pouco crível. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em tom até um tanto agressivo, disse que a mensagem de John Snow tem "pouca substância". Alguns empresários que se encontraram com o secretário também notaram um certo formalismo supérfluo, de uma autoridade que parecia apenas pretender agradar à platéia.
Colocar um assunto na mesa de negociação não significa nada. Celso Amorim lembrou um exemplo: na Rodada Uruguai, em 1994, a redução das tarifas de suco de laranja estava na discussão e interessava ao Brasil. Só que o tema foi ficando para o fim das negociações e acabou não se materializando.
Não pode ocorrer isso nas discussões da Alca. Trata-se de um acordo monumental. Sem garantia de acesso irrestrito dos produtos competitivos da pauta brasileira ao mercado americano e sem redução dos subsídios agrícolas dos EUA, não dá para assinar nada. Neste Dia do Trabalho, portanto, é bom lembrar que estarão em jogo, nas discussões da Alca, milhões de empregos na agricultura e na indústria brasileira. Como disse o secretário do Tesouro, John Snow, "Tudo está sobre a mesa...", menos a perda de empregos brasileiros.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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