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OPINIÃO ECONÔMICA
A Alca e o Dia do Trabalho
BENJAMIN STEINBRUCH
O mundo todo, exceto os Estados Unidos, comemora
depois de amanhã o Dia do Trabalho, num momento em que a
escassez de empregos é a grande
ameaça para a humanidade. Na
semana passada, o secretário do
Tesouro americano, John Snow,
veio ao Brasil e deu uma declaração oficial sobre as intenções de
seu país ao negociar a Alca (Área
de Livre Comércio das Américas).
"Tudo está sobre a mesa de negociações", inclusive os subsídios
agrícolas, disse Snow.
E o que têm a ver Snow e a Alca
com o Dia do Trabalho? Certamente, muita coisa. O objetivo declarado da Alca é a liberalização
do comércio nas três Américas,
com a criação de um mercado
amplo no qual importações e exportações ocorram sem cobrança
de tarifas.
Cerca de 800 milhões de pessoas
vivem nos 34 países do continente
e o PIB conjunto atinge US$ 11,5
bilhões. Em números aproximados, o PIB dos EUA representa
80% desse total, o do Canadá,
6%, e o do Brasil, 5%.
Essa disparidade de forças econômicas está na base das preocupações a respeito da viabilidade
da Alca. A enorme concorrência
continental que se estabeleceria
com o livre comércio levaria milhares de empresas não-competitivas a fechar as portas, enquanto
suas concorrentes prosperariam
em outros países. Isso provocaria
desemprego em alguns lugares e
expansão do mercado de trabalho em outros.
A pergunta que ninguém ainda
sabe responder é quais países vão
ganhar e quais vão perder empregos. O empenho dos EUA em promover o acordo indica que os
americanos imaginam tirar vantagens dele. Essa idéia está explícita no artigo 1º do TPA, a lei que
autoriza o presidente George W.
Bush a negociar os acordos comerciais da Alca sem aprovação
do Congresso. O texto diz que "a
expansão do comércio internacional é vital para a segurança
nacional" e "elemento crítico para o crescimento econômico, o poderio e a liderança dos EUA".
Está claro, portanto, que os
americanos esperam tirar da Alca
mais crescimento econômico e
mais empregos para seus cidadãos. Isso, aliás, é o que pretende
qualquer um dos países da região.
O problema é que, pelo seu inegável poderio econômico e político,
os EUA estão muito mais capacitados a conseguir seu intento do
que os demais países, alguns muito pequenos como o Paraguai,
que tem apenas 0,07% do PIB das
Américas.
É simples explicar por que os
EUA estão em vantagem. O objetivo da Alca é reduzir tarifas comerciais. Ocorre que os EUA já
têm a tarifa média mais baixa do
continente, de 3% -a brasileira
está entre 10% e 12%. A redução
de tarifas a ser acertada na Alca,
portanto, afetaria pouco os EUA e
muito o Brasil e outros países da
região. Em outras palavras, o
mercado brasileiro ficaria muito
mais vulnerável à "invasão" estrangeira do que o americano,
que já é aberto.
O protecionismo americano,
dadas a baixas tarifas médias, se
faz por cotas e pelos chamados picos tarifários, que são impostos
altíssimos aplicados sobre a importação de alguns produtos que
o país considera sensíveis. Estão
nessa condição importantes produtos brasileiros de exportação,
aliás os mais competitivos, como
suco de laranja, açúcar, tabaco,
aço, têxteis e calçados. Em alguns
casos, a tarifa já atingiu até
450%.
Os americanos fazem isso para
proteger produtores ineficientes,
que não modernizaram seus métodos e processos produtivos.
Além dos picos tarifários, oferecem subsídios bilionários. Só a
agricultura tem recebido mais de
US$ 32 bilhões anuais em subsídios.
O ceticismo com a Alca advém
do fato de que se sabe que os EUA
não pretendem alterar sua posição em relação a esses produtos
sensíveis, em razão do poderoso
lobby político exercido pelos fornecedores locais. O próprio TPA
exige que o presidente da República consulte o Congresso caso
pretenda negociar o livre ingresso
desses itens com os países da Alca.
Por isso, a declaração do secretário do Tesouro, na semana passada, sobre a intenção americana
de colocar "tudo" na mesa de negociações da Alca pareceu pouco
crível. O ministro das Relações
Exteriores, Celso Amorim, em
tom até um tanto agressivo, disse
que a mensagem de John Snow
tem "pouca substância". Alguns
empresários que se encontraram
com o secretário também notaram um certo formalismo supérfluo, de uma autoridade que parecia apenas pretender agradar à
platéia.
Colocar um assunto na mesa de
negociação não significa nada.
Celso Amorim lembrou um
exemplo: na Rodada Uruguai, em
1994, a redução das tarifas de suco de laranja estava na discussão
e interessava ao Brasil. Só que o
tema foi ficando para o fim das
negociações e acabou não se materializando.
Não pode ocorrer isso nas discussões da Alca. Trata-se de um
acordo monumental. Sem garantia de acesso irrestrito dos produtos competitivos da pauta brasileira ao mercado americano e
sem redução dos subsídios agrícolas dos EUA, não dá para assinar
nada. Neste Dia do Trabalho,
portanto, é bom lembrar que estarão em jogo, nas discussões da
Alca, milhões de empregos na
agricultura e na indústria brasileira. Como disse o secretário do
Tesouro, John Snow, "Tudo está
sobre a mesa...", menos a perda
de empregos brasileiros.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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