São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Mesa!


JOÃO SAYAD

A Bolsa americana vai cair ou subir?
A economia é um jogo. Ou melhor, dois jogos.
O primeiro jogo é espontâneo, reflexivo. Você abre as cartas vagarosamente, ansioso e descobre: quatro azes de copas! Esconde o olhar, tosse, finge estar calmo. Pelas regras, quadra ganha de trinca. Que cartas os outros ganharam?
Nesse caso, o jogo é adivinhar o que o outro está pensando, enquanto o outro faz a mesma coisa: adivinhar o que você está pensando.
O problema é complexo. Economistas matemáticos inventaram a teoria dos jogos para definir qual é a melhor estratégia. O assunto já rendeu vários Nobel. É a coqueluche do pensamento econômico atual.
Na realidade poderia ser trivial. Se cada um tenta adivinhar o que o outro está pensando, sendo que o outro está fazendo a mesma coisa, a melhor resposta é a moda, o ponto focal, o que dizem os jornais. É o espírito da época, o bom senso do momento.
Os preços da Bolsa de Nova York sobem porque todos estão otimistas. Lêem os mesmo jornais, ouvem os mesmos seminários dos professores da Harvard Business School. Não é de estranhar que compartilhem as mesmas opiniões e adivinhem o que os amigos estão pensando.
Quando o Federal Reserve aumenta as taxas de juros, vendem ações e compram títulos de renda fixa. Como jogadores de pôquer, reagem automaticamente às regras conhecidas. No primeiro jogo, a Bolsa cai porque os juros do Federal Reserve foram aumentados.
O segundo jogo é mais importante. Não é para qualquer jogador.
É o jogo de definir as regras do jogo, em que tomam parte apenas o dono do cassino, o crupiê e os seguranças. Trata-se de definir regras para as taxas de juros, gastos fiscais e taxa cambial.
Nos últimos anos, o Federal Reserve vem aumentando as taxas de juros diante do mais leve indício de que o emprego aumente excessivamente ou de que a inflação seja 0,4, quando os "mercados" (de economistas de banco) esperariam que fosse 0,2. (Será que 0,2 não é igual a 0,4 no caso dos índices de inflação?).
Assim como pais embevecidos confundem o esgar do neném com o primeiro sorriso, esse leve movimento do índice é confundido com inflação e provoca reação imediata do Banco Central, que, sempre alerta, aumenta imediatamente os juros.
É a regra vencedora do segundo jogo -desemprego é tolerável, saudável e até pedagógico. Inflação é o caos.
Foi definida fora do salão principal, na disputa entre o capital financeiro, o trabalho, os políticos, num jogo interminável narrado pelos economistas do "establishment" e pelos heterodoxos.
A vitória da regra depende da história recente -quando foi a última recessão, quando foi a última hiperinflação, a última greve, a última guerra mundial, o último nazismo e assim por diante.
No segundo jogo, quando o Fed aumenta as taxas de juros, a Bolsa de Valores sobe. Pois fica claro que a política econômica continua a não se importar com a sobrevalorização do dólar com relação ao euro e ao iene, com o déficit no balanço de transações correntes americano, com a disparidade entre a prosperidade do mundo globalizado e o "resto" do mundo. A Bolsa de Valores sobe pois o jogo vai continuar com as mesmas regras.
Noutros tempos, teríamos outras regras e outro jogo. O desemprego era importante, a União Soviética, uma ameaça, Cuba seduzia corações. Se o emprego aumentasse junto com a inflação, os juros reais cairiam um pouco e a Bolsa subiria.
Afinal, a Bolsa americana vai subir, cair ou ficar igual?
Primeiro, precisamos descobrir, com as regras atuais, se você acredita que eu acredito que os lucros das empresas da Bolsa serão tão grandes quanto está implícito nos preços atuais. Caso positivo, a Bolsa sobe. Resposta negativa, a Bolsa cai. Com as regras atuais, eu passo.
Segundo, é preciso descobrir se as regras vão continuar as mesmas, apesar do déficit americano e da sobrevalorização do dólar. Se você crê que as regras não vão mudar, a Bolsa sobe. Se você crê que as regras vão mudar, a Bolsa cai. Faça a sua aposta. Eu passo -as ações estão muito caras.


João Sayad, 53, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de "Que País é Este?" (editora Revan); escreve às segundas-feiras nesta coluna.

E-mail - jsayad@ibm.net




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