São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 2000


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IMPOSTOS

Mudança permitirá que empresas voltem a negociar com órgãos públicos

Governo estudar pôr fim ao com cadastro de devedores

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Está em curso uma operação para acabar com o Cadin, o cadastro que reúne pessoas físicas e jurídicas que devem ao governo federal -semelhante ao SCPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e ao Serasa (cadastro dos bancos), mantidos por instituições privadas e que restringem o crédito a quem deve na praça.
O governo deu um empurrão importante para tornar inócuo o Cadin ao excluir de medida provisória o artigo que proibia os devedores de impostos e contribuições federais de fechar negócios que envolvam recursos públicos ou mesmo de receber incentivos fiscais.
Esse dispositivo estava suspenso havia quase quatro anos por força de uma liminar concedida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em nome da igualdade de direitos -no caso, entre devedores e não-devedores.
A pá de cal no Cadin tramita no Senado como parte do projeto do Código de Defesa do Contribuinte, de autoria do senador Jorge Bornhausen (SC), presidente do PFL.
A proposta, incluída na pauta de votações dos próximos dias da Comissão de Assuntos Econômicos, determina que não será admitida a proibição aos contribuintes de ""transacionar com órgãos e entidades públicas e instituições oficiais de crédito".
Essa proibição é entendida como um meio de constranger os contribuintes devedores.

Dívidas de R$ 400 bi
Segundo estimativa de técnicos do governo, o Cadin inclui hoje o registro de dívidas que podem alcançar R$ 400 bilhões, somando débitos que se encontram sob cobrança administrativa e aqueles que são cobrados judicialmente (dívida ativa).
Dá até para comparar com a dívida total do setor público, incluindo União, Estados e municípios, de R$ 527 bilhões.
A maior parte dos registros refere-se a impostos e contribuições não pagos por empresas. Os devedores têm seus nomes inscritos no Cadin 75 dias após receberem a notificação dos débitos.
A proibição de os devedores da União fecharem negócios com o setor público teve vida curta. Imposto por medida provisória editada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em junho de 1996, o dispositivo foi suspenso dias depois pelo STF a pedido da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Na ocasião, os ministros do Supremo apontaram ""aparente" violação a dispositivos da Constituição que garantem isonomia e liberdade no exercício de qualquer trabalho e igualdade de condições entre concorrentes.

"Cria perplexidades
Consultados pela Folha sobre a possibilidade de devedores inscritos no SCPC e no Serasa conquistarem tratamento semelhante, o relator da liminar, ministro Octavio Gallotti, e o presidente do STF, Carlos Velloso, afirmaram que não poderiam antecipar um julgamento sobre matéria que poderá vir a ser analisada pelo tribunal.
Concedida a liminar, o governo avaliou que seria difícil reverter a decisão, apesar de a liminar se caracterizar como um julgamento preliminar.
Em agosto do ano passado, o ministro Pedro Malan (Fazenda) sugeriu -e o presidente FHC aceitou- a retirada do polêmico artigo do texto da medida provisória já reeditada 50 vezes.
No texto da exposição de motivos, Malan sustenta que o dispositivo ""cria perplexidades ante o teor de liminar concedida pelo Supremo".
No lugar do problemático artigo 7º, que impedia negócios com o governo federal por devedores inscritos no Cadin há mais de 30 dias, surgiu um dispositivo que determina as condições para suspender o registro de devedores no cadastro.
O mesmo texto faz elogios ao Cadin e afirma que ele é ""instrumento que se tem mostrado grandemente eficaz no acompanhamento e no controle das situações de inadimplemento".
""O cadastro existe, mas os devedores continuam fazendo negócios e recebendo recursos do governo sem que saldem suas dívidas com a União", observou o deputado Agnelo Queiroz (PC do B-DF), autor de pesquisa que identificou vários devedores na lista de empresas que recebem recursos públicos. Grandes patrocinadores de campanhas políticas também frequentam essa lista.

"Coações"
Esse controle das dívidas mencionado por Malan fica ainda mais fragilizado com a proposta do código do contribuinte.
Segundo Bornhausen, a intenção é retirar todas as ""coações" impostas pelo Cadin aos contribuintes. ""Ele é injusto: não pode ir para o Cadin quem está discutindo o pagamento de determinado imposto", sustenta o senador.
O autor do projeto do código citou como exemplo de consequência ""grave" o presidente de uma empresa de autopeças que não identificou.
O empresário teria deixado de realizar um contrato de adiantamento de câmbio com o Banco do Brasil no valor de US$ 25 milhões por estar inscrito no Cadin. A operação era fundamental para levar adiante seu negócio.
O atual presidente da CNI, deputado Carlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP), avalia que o tratamento dispensado ao Cadin pode abrir uma brecha para que pessoas físicas e jurídicas que tenham dívidas, cheques sem fundos ou protestos registrados em cadastros privados também reclamem a concessão de crédito.
""Há uma exagerada proteção aos credores; ninguém pode ter afrontadas as condições de competir", afirma Moreira Ferreira.



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