São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 2000


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NOVA ECONOMIA

Queda fez ações de tecnologia voltar aos preços de janeiro; correção saudável ou carnificina já começou?

Crise vai além do massacre da Internet


HAMISH MCRAE
DO "THE INDEPENDENT"

O colapso da tecnologia continua. Os diversos mercados de alta tecnologia em todo o mundo mantiveram o padrão estabelecido depois do seu pico do começo de março, e cada pequena recuperação passou a ser seguida por uma queda muito mais profunda.
A extensão da queda varia um pouco de mercado a mercado, mas o padrão geral é mais ou menos o mesmo em toda parte do mundo: a Nasdaq caiu 35% ante o seu pico, e a Neuer Markt, da Alemanha, e a Jasdaq, do Japão, tiveram perdas próximas a 40%.
Mas isso só as levou de volta aos níveis que mantinham no começo de janeiro, o que provoca a questão: será que se trata apenas de uma correção saudável ou o massacre começou de verdade? Talvez um pouco de cada coisa.
Vamos supor que ainda haja algum território de queda à frente, mas que a partir do final do ano tenhamos uma base sólida sobre a qual apoiar um avanço: as quedas na Bolsa dificilmente duram mais de nove meses.
O sofrimento das empresas de Internet continuará sendo a principal história.
Se elas não puderem retornar ao mercado para financiar seus prejuízos, terão de encontrar alguma outra maneira de levantar dinheiro.
Isso cada vez mais implicará recorrer a grandes empresas tradicionais, com fluxos de caixa decentes, que comprariam participações na nova geração de empresas. E as que não encontrassem dinheiro, faliriam.
Embora essas histórias devam atrair as manchetes, elas não terão impacto de grande porte sobre a economia mundial.
As empresas de Internet não são grandes; não têm muitos funcionários; boa parte de seu investimento foi na construção de suas marcas, de modo que não há um grande excedente de ativos de capital pronto a deprimir o mercado.

Contenção de crédito
As coisas começam a ficar mais sérias caso empresas estabelecidas não sejam capazes de levantar dinheiro.
Uma compressão de crédito está começando a se fazer sentir, à medida que os bancos centrais de todo o mundo começam a apertar suas políticas monetárias. É difícil determinar até que ponto esse problema será sério, mas há duas informações bastante inquietantes que merecem atenção mais ampla.
A primeira delas é até que ponto subiram os rendimentos dos bônus corporativos nos Estados Unidos. A GFC Economics, uma companhia de pesquisas sediada em Londres, acaba de divulgar um boletim demonstrando que os bônus com classificação BB agora estão oferecendo rendimento real da ordem de 9%, superior ao de 1990, pouco antes da recessão do começo da década.
Essa alta aconteceu em um momento em que a economia ainda estava se expandindo, enquanto em 1990 havia evidências claras de desaceleração iminente. Se houver desaquecimento em breve, e as empresas encontrarem mais dificuldades para financiar suas dívidas, o rendimento de seus papéis deve subir ainda mais a fim de atrair investidores.
A outra informação surgiu na mais recente pesquisa da Merrill Lynch entre os administradores de fundos de investimento. Não tinha percebido até que ponto havia caído nos últimos meses o nível de otimismo deles quanto à economia mundial.

Pico já passou
Diante da pergunta sobre quando acreditavam que o crescimento mundial estaria chegando ao seu ponto mais alto, os administradores de fundos responderam que em setembro, em média.
Não se deve levar a sério demais as visões dos administradores de fundos. Há muitas evidências de que o crescimento econômico mundial já passou do pico -que pode ter surgido no primeiro trimestre deste ano.
Embora os profissionais de investimento de outros países possam ver a queda nas ações de tecnologia como oportunidade de compra, nos Estados Unidos isso deixou de ser verdade recentemente. Se esse último ponto se confirmar, os problemas da tecnologia serão prolongados.
Os investidores de fundos dos EUA estão mais preocupados com a alta da inflação, que não garante, por si só, problemas para a economia. Mas, tendo em vista a maneira pela qual o efeito prosperidade vem sustentando os EUA, isso causa mais preocupação.

Otimismo e pessimismo
No Reino Unido, a grande virada é rumo às ações defensivas, enquanto no continente europeu espera-se forte crescimento neste ano, mas talvez uma queda considerável no ritmo para o ano que vem. E os administradores de fundos japoneses estão otimistas quanto à economia, mas pessimistas quanto às ações.
Parece-me haver três coisas a observar nos próximos meses.
A primeira é saber se o colapso das ações de tecnologia prejudicará a capacidade de levantar dinheiro das grandes empresas mundiais estabelecidas no ramo de alta tecnologia.
A segunda é determinar se a contração do crédito escapará ao controle nos EUA. E a terceira é o que vai acontecer ao dólar.
A primeira é preocupante. Os mercados europeus de capital, em especial, ainda não calcularam integralmente o custo de aquisição das licenças de telefonia móvel. Em um certo sentido, isso é simplesmente uma transferência de fundos do setor privado para o setor público -como tirar dinheiro de um bolso e guardá-lo no outro.
Ninguém nos Estados Unidos espera que a contração de crédito escape ao controle, tal é a confiança depositada em Alan Greenspan, o chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano).
Mas há dúvidas. Dois anos atrás, ele era rei. Agora, há resmungos de que o Fed deveria ter contido o crescimento mais cedo (quanto mais tardia a compressão, mais difícil controlá-la).
E o que mais poderia perturbar o Fed seria a alta na inflação diante do dólar fraco.
O dólar terá de cair um dia. Não é razoável esperar que o euro caia para sempre. Administrar esse declínio será difícil, uma vez mais. Não impossível, mas difícil sem dúvida.


Tradução de Paulo Migliacci





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