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OPINIÃO ECONÔMICA
Duelo de titãs
JOSEF BARAT
O todo-poderoso secretário do Tesouro norte americano, Paul O'Neill, fez recentemente uma declaração que tornou ainda mais conturbado o
mercado financeiro. Disse que
"jogar dinheiro dos contribuintes
americanos nas incertezas políticas do Brasil não parece ser muito
brilhante". Segundo ele, os investidores estariam nervosos com o
desfecho da eleição e, sendo assim, ficaria difícil uma ajuda
emergencial do FMI. Jogou um
galão de gasolina na fogueira, para alegria dos especuladores. No
ano passado, no início da crise argentina, o mesmo O'Neill disse
não querer "uma Argentina que
continue a consumir o dinheiro
dos carpinteiros e encanadores
americanos que ganham US$ 50
mil por ano e se perguntam que
diabo estamos fazendo com o seu
dinheiro". Ainda bem que os contribuintes americanos são merecedores desse respeito por parte
do seu ministro da Fazenda. E é
comovedor que os carpinteiros e
encanadores tenham quem mostre tanto zelo pelas suas poupanças aplicadas em países distantes e
exóticos da América Latina. Pena
que contribuintes e trabalhadores
americanos não possam ser protegidos das falcatruas da Enron
ou da WorldCom. Nem das vergonhosas manipulações em portfólios dos bancos de investimentos. Logo esses, com poder de vida
ou morte nas previsões que elevam ou baixam riscos de países
periféricos.
Mas, como dizem os franceses
-que também brindaram o mercado financeiro com um fantástico embuste-, "c'est la vie". Os
nossos carpinteiros e encanadores nem no mais delirante sonho
se imaginam ganhando US$ 50
mil por ano. E, além do mais, nossas autoridades financeiras não
estão dando a mínima para eles e
tampouco para a classe média que
busca proteção para as suas poupanças. Se puderem, até as confiscam em nome do enxugamento
da dívida pública e, como sabemos, fica por isso mesmo. O importante é cumprir as metas impostas pelo FMI e ajudarmos a
proteger os contribuintes americanos. Para isso, temos uma das
cargas tributárias mais elevadas
do planeta e cortamos na carne
gastos em investimentos sociais.
E assistimos perplexos a um
embate de "cachorros grandes".
Um duelo de titãs na arena global:
de um lado, a chamada "economia real", que produz, gera empregos e renda, amplia mercados
e contribui para o aumento da riqueza das nações. De outro, o
"sistema financeiro", cujos fluxos
representam, cada vez menos, a
contrapartida da produção e engrossam "bolhas especulativas"
que brincam com ganhos de um
pequeno grupo de especuladores,
em detrimento do bem-estar das
nações. Bolhas que, sabemos,
acolhem generosamente dinheiro
de todas as procedências, inclusive as que têm origem em atividades à margem da lei. A essa altura,
com a globalização dos mercados
financeiros, a própria economia
real já está se contaminando com
as especulações financeiras, como
vimos nos escândalos de empresas produtivas consideradas sérias. Afinal, nas "reengenharias"
das empresas, milhares de trabalhadores são demitidos para enxugar custos diante da competição. Mas os altos executivos multiplicam absurdamente seus ganhos e isso tem que ser, de algum
jeito, "maquiado" nos balanços
para ludibriar os acionistas.
No Brasil, de certa forma, estamos acostumados com o jogo
produção X sistema financeiro.
Ele vem sendo sistematicamente
ganho por este ultimo desde os
anos 80, muito embora a produção -especialmente com o esforço da sua ala nacional- tenha lutado bravamente e mantido o placar apertado. Mas o juiz não é
muito amigo de quem produz.
Pesam sobre a economia real a
carga tributária, os juros desproporcionais e as tarifas dos serviços
públicos. E o sistema financeiro
até pode contar, à maneira de Maradona, com a "mão de Deus" para fazer os seus gols.
Mas agora estamos assistindo a
embates em escala mundial. E são
contradições que temos dificuldade em entender. Do lado da produção, vemos grandes conglomerados transnacionais investindo
no Brasil, confiantes na expansão
do seu mercado interno, enxergando o longo prazo como promissor para a venda de seus produtos e serviços. Fazendo a aposta
de que carpinteiros e encanadores
brasileiros, além de uma grande
massa de pessoas pobres, tenham
acesso a um leque mais amplo de
bens de consumo e serviços. E
consultorias internacionais colocando sempre o Brasil entre os
dez maiores mercados consumidores dos mais diferentes produtos.
Mas, de outro lado, bancos de
investimentos e avaliadores financeiros -com visão estreita de
curto prazo- colocam o Brasil
como equivalente ou pior que
países como Nigéria, Colômbia e
Equador, para não falar da sofrida
Argentina. E, mais contraditório
ainda, o FMI elogia o Brasil por
ter feito a "lição de casa" (temos
tutores, pois não?), o secretário do
Tesouro contradiz o FMI e os especuladores ganham fortunas da
noite para o dia a pretexto das
eleições brasileiras, para embaraço da simpática embaixadora
americana. Claro que não podemos dizer que a situação financeira do Brasil a curto prazo seja confortável, por razões que vêm sendo debatidas amplamente na imprensa. Mas sacrificar todo o esforço produtivo, o controle da inflação e a democracia no altar do
"mercado" (palavra que hoje, veja
só, designa somente o financeiro)
é ato de insanidade política perpetrado em escala mundial.
Quem vai ganhar essa disputa
no âmbito da globalização não sabemos. Se os grandes conglomerados produtivos forem contaminados pelo vírus da especulação
financeira e seus executivos continuarem a gerar "mutretas" colossais para encobrir seus ganhos,
estaremos todos perdidos. Sobra
para nós. Mas, se há uma "lição de
casa" que temos que fazer por nós
mesmos, sem tutela, é a de fortalecer a produção, ampliar o mercado interno -redistribuindo renda e gerando empregos-, diversificar nossas exportações, fortalecer as infra-estruturas e aliviar a
carga tributária, injusta e burra.
Temos que ter uma estratégia de
crescimento com estabilidade,
pensar no longo prazo e ter um
Estado moderno, articulado e flexível para induzir e fomentar a
produção, além de agências reguladoras independentes e atuantes.
Vale, neste momento, o preceito
talmúdico: "Se não fizermos por
nós mesmos, quem fará?". Certamente não será o chamado "mercado", nem os que já estão especulando com a nossa aflição. Que
o Penta de Felipão e da seleção
nos sirva realmente de lição. Sem
os "cartolas", naturalmente.
Josef Barat, 62, economista, é consultor
de entidades públicas e privadas e membro do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio
do Estado de São Paulo. Foi secretário de
Transportes do Estado do Rio de Janeiro
(governo Faria Lima e Moreira Franco) e
presidente da Empresa Metropolitana de
Transportes do Estado de São Paulo
(1979-80).
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