UOL


São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

A voz das gerações futuras

BENJAMIN STEINBRUCH

Quase três anos atrás, durante a campanha presidencial dos Estados Unidos, Bush e Gore foram à televisão para um debate pré-eleitoral. Gastaram boa parte do tempo com discussões sobre a previdência americana. Não sobre os problemas enfrentados naquele momento, mas sobre as perspectivas futuras do sistema oficial de aposentadoria e pensões.
A principal preocupação dos candidatos à Casa Branca, em matéria de previdência social, eram os déficits previstos para 2015. Quinze anos antes de o problema explodir, portanto, o tema já era importante a ponto de influir no voto da população americana. Outro tema daquele debate foi a previsão de falência do sistema de saúde americano, o Medicare, a partir de 2025.
As manifestações cada vez mais ruidosas dos servidores públicos brasileiros contra a reforma da Previdência fazem lembrar essas passagens da campanha americana. É claro que os funcionários públicos têm o direito de lutar dentro dos princípios da lei e da Constituição pelos seus interesses e direitos. Mas não podem avançar sobre os direitos das gerações futuras.
Quando servidores vão ao Congresso para protestar contra os termos da reforma ou entram em greve, estão amplificando a voz dos trabalhadores de hoje. Esquecem-se, porém, de que seus filhos, netos e bisnetos, muitos ainda nem nascidos, não têm voz. Então, um governo responsável tem a obrigação de representar essas vozes brasileiras do futuro, que sofrerão privações caso a sociedade atual não encare o problema da previdência com responsabilidade e planejamento.
A Previdência é hoje um grande ralo por onde saem recursos da União. O déficit do ano passado, incluindo os sistemas privado e público, alcançou R$ 70 bilhões. Neste ano, deve chegar a R$ 80 bilhões, sendo R$ 26 bilhões no privado e R$ 54 bilhões no público. Por enquanto, ainda que a situação seja gravíssima, ela vem sendo contornada por meio de redirecionamento de verbas de outros setores. No ano passado, por exemplo, enquanto desviava recursos para a Previdência, a União aplicava apenas R$ 18 bilhões em educação, algo inaceitável.
Não é razoável que o governo espere de braços cruzados a explosão do sistema previdenciário. Nem se deve ter a ilusão de que seja possível fazer agora uma reforma definitiva para a Previdência. O jogo político legítimo certamente vai impedir que o ajuste leve ao equilíbrio total do sistema, mas isso poderá ser alcançado com novos ganhos fiscais nos próximos anos.
O risco que Brasil corre agora é fazer uma reforma pífia da Previdência para se livrar da incômoda exacerbação de ânimos dos servidores que defendem seus interesses atuais. Isso abalaria a credibilidade do país e teria consequências trágicas para as gerações futuras, que herdariam um sistema previdenciário falido ou simplesmente não herdariam nada. Infelizmente, esse desfecho não é impensável quando se leva em conta o costumeiro imediatismo brasileiro.
Algumas concessões já foram feitas na reforma da Previdência em relação à idéia original de criar um sistema pelo qual os servidores públicos teriam os mesmos direitos e benefícios dos empregados do setor privado. A principal delas é que os atuais funcionários se aposentarão com salário integral e terão reajuste igual ao do pessoal da ativa. Foi uma forma liberal de encarar o instituto do direito adquirido, mas, de qualquer forma, justificável. Agora, não há como ceder mais, principalmente quando as reivindicações partem de corporações e não representam os interesses de toda a comunidade de servidores.
Cabe ao Congresso, no momento de votar a reforma da Previdência, ouvir também a voz das gerações futuras, e não apenas o alarido das ruas e repartições públicas de Brasília.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Missão garante apoio mesmo sem programa
Próximo Texto: Montadoras: Mantega vê acordo de carros neste ano
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.