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OPINIÃO ECONÔMICA
A voz das gerações futuras
BENJAMIN STEINBRUCH
Quase três anos atrás, durante a campanha presidencial dos Estados Unidos, Bush e Gore foram à televisão para um
debate pré-eleitoral. Gastaram
boa parte do tempo com discussões sobre a previdência americana. Não sobre os problemas enfrentados naquele momento, mas
sobre as perspectivas futuras do
sistema oficial de aposentadoria e
pensões.
A principal preocupação dos
candidatos à Casa Branca, em
matéria de previdência social,
eram os déficits previstos para
2015. Quinze anos antes de o problema explodir, portanto, o tema
já era importante a ponto de influir no voto da população americana. Outro tema daquele debate
foi a previsão de falência do sistema de saúde americano, o Medicare, a partir de 2025.
As manifestações cada vez mais
ruidosas dos servidores públicos
brasileiros contra a reforma da
Previdência fazem lembrar essas
passagens da campanha americana. É claro que os funcionários
públicos têm o direito de lutar
dentro dos princípios da lei e da
Constituição pelos seus interesses
e direitos. Mas não podem avançar sobre os direitos das gerações
futuras.
Quando servidores vão ao Congresso para protestar contra os
termos da reforma ou entram em
greve, estão amplificando a voz
dos trabalhadores de hoje. Esquecem-se, porém, de que seus filhos,
netos e bisnetos, muitos ainda
nem nascidos, não têm voz. Então, um governo responsável tem
a obrigação de representar essas
vozes brasileiras do futuro, que
sofrerão privações caso a sociedade atual não encare o problema
da previdência com responsabilidade e planejamento.
A Previdência é hoje um grande
ralo por onde saem recursos da
União. O déficit do ano passado,
incluindo os sistemas privado e
público, alcançou R$ 70 bilhões.
Neste ano, deve chegar a R$ 80 bilhões, sendo R$ 26 bilhões no privado e R$ 54 bilhões no público.
Por enquanto, ainda que a situação seja gravíssima, ela vem sendo contornada por meio de redirecionamento de verbas de outros
setores. No ano passado, por
exemplo, enquanto desviava recursos para a Previdência, a
União aplicava apenas R$ 18 bilhões em educação, algo inaceitável.
Não é razoável que o governo
espere de braços cruzados a explosão do sistema previdenciário.
Nem se deve ter a ilusão de que seja possível fazer agora uma reforma definitiva para a Previdência.
O jogo político legítimo certamente vai impedir que o ajuste leve ao
equilíbrio total do sistema, mas
isso poderá ser alcançado com
novos ganhos fiscais nos próximos anos.
O risco que Brasil corre agora é
fazer uma reforma pífia da Previdência para se livrar da incômoda exacerbação de ânimos dos
servidores que defendem seus interesses atuais. Isso abalaria a
credibilidade do país e teria consequências trágicas para as gerações futuras, que herdariam um
sistema previdenciário falido ou
simplesmente não herdariam nada. Infelizmente, esse desfecho
não é impensável quando se leva
em conta o costumeiro imediatismo brasileiro.
Algumas concessões já foram
feitas na reforma da Previdência
em relação à idéia original de
criar um sistema pelo qual os servidores públicos teriam os mesmos direitos e benefícios dos empregados do setor privado. A
principal delas é que os atuais
funcionários se aposentarão com
salário integral e terão reajuste
igual ao do pessoal da ativa. Foi
uma forma liberal de encarar o
instituto do direito adquirido,
mas, de qualquer forma, justificável. Agora, não há como ceder
mais, principalmente quando as
reivindicações partem de corporações e não representam os interesses de toda a comunidade de
servidores.
Cabe ao Congresso, no momento de votar a reforma da Previdência, ouvir também a voz das gerações futuras, e não apenas o alarido das ruas e repartições públicas de Brasília.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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