São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Salvar essa bolhinha

O crescimento da economia não poderá se sustentar sem vigorosa oferta de crédito às empresas e às pessoas físicas

CONHECI Amos em viagem pela Flórida e o cito aqui por causa de uma história que me contou. No fim de julho, ele decidiu trocar um dos carros da família. Foi a uma concessionária num domingo de manhã e voltou para casa no mesmo dia com uma dessas SUV (Sport Utility Vehicle), que combina a versatilidade de carro urbano com o espaço da van, muito em voga os Estados Unidos, apesar do aumento dos preços da gasolina. Preço do carro: US$ 30 mil. O licenciamento foi feito na hora, na própria loja. Amos queria comprá-lo à vista, mas foi aconselhado pelo vendedor a adquirir um financiamento com prazo de quatro anos. E aqui vem o detalhe importante da história: pelo crédito, vai pagar juros de 4,9% ao ano.
Lembrei-me do Amos ao ler, dois domingos atrás (20/8), reportagem da Folha mostrando que o crédito está se esgotando como motor do crescimento do consumo e da economia. Houve forte expansão da concessão de financiamentos para as pessoas físicas nos últimos anos, principalmente em razão da criação do crédito consignado, de baixo risco para os bancos, uma vez tem a garantia das folhas de salários ou dos benefícios da Previdência Social (no caso dos aposentados). O estoque de crédito bancário no país, no ano passado, por exemplo, aumentou significativos 30%.
Não há nada de errado nisso. Um olhar para o mundo revela que o volume de crédito está diretamente relacionado com o crescimento das economias. Na média internacional, o crédito total representa mais de 100% do PIB (Produto Interno Bruto). Na China, por exemplo, chegou no ano passado a 114% do PIB, ou US$ 2,5 trilhões. No Brasil é de apenas 32,6%.
O Brasil precisa, portanto, avançar muito em matéria de crédito. É lamentável que ocorra essa perda do seu efeito estimulador. Mas é explicável. Nos Estados Unidos, Amos pagou 4,9% ao ano pelo carro financiado. Aqui, segundo levantamento do Banco Central, divulgado na semana passada, os financiamentos de veículos custam em média 32,6% ao ano, embora tenham as taxas mais baixas entre as cobradas nas diversas modalidades de crédito à pessoa física. Os empréstimos com cheque especial, por exemplo, custam 144,1% ao ano. Os créditos para aquisição de bens, 59,6% ao ano.
É fácil entender por que o mecanismo do crédito tende a se esgotar como motor do crescimento econômico neste momento. Com a maior demanda de empréstimos e com os juros estratosféricos pagos pelos tomadores de empréstimos, a inadimplência vem aumentando bastante. Em São Paulo, 37,3% das pessoas que têm dívidas estão com as contas em atraso, segundo indicadores da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Considerando as operações vencidas há mais de 90 dias, a inadimplência geral no país atingiu 7,5% em julho. Um ano antes era de 5,9%. Ou seja, houve um crescimento de 27%, o que levou os bancos a reduzir a oferta de crédito.
O crescimento da economia não poderá se sustentar, nem aqui nem na China, sem vigorosa oferta de crédito tanto às empresas quanto às pessoas físicas. Estas precisam de empréstimos para consumo e aquisição de bens, inclusive imóveis. Aquelas, para capital de giro e para alavancar investimentos que vão atender ao crescimento da demanda. Em ambos os casos, só há uma saída para manter o fôlego do credito: baixar as taxas cobradas pelos bancos.
O ministro Guido Mantega pretende tomar medidas para estimular a competição bancária, entre elas o aumento do alcance da central de risco do Banco Central, que atualmente está restrita a pessoas com crédito bancário acima de R$ 5.000, a mudança da lei do crédito consignado para que os empregados tenham condição de negociar seu crédito com outros bancos e a diminuição do Fundo Garantidor de Crédito. Além disso, pretende forçar a redução do "spread" bancário (diferença entre os custos de captação de recursos e as taxas cobradas nos empréstimos do sistema financeiro), que se mantém em 27,5 pontos percentuais apesar da queda dos juros. A direção das medidas é correta. O país está vivendo uma bolhinha de crescimento econômico principalmente por causa do crédito. Não é bom deixar que ela estoure.


BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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