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BENJAMIN STEINBRUCH
Salvar essa bolhinha
O crescimento da economia
não poderá se sustentar sem
vigorosa oferta de crédito às
empresas e às pessoas físicas
CONHECI Amos em viagem pela Flórida e o cito aqui por
causa de uma história que me
contou. No fim de julho, ele decidiu
trocar um dos carros da família. Foi
a uma concessionária num domingo
de manhã e voltou para casa no
mesmo dia com uma dessas SUV
(Sport Utility Vehicle), que combina
a versatilidade de carro urbano com
o espaço da van, muito em voga os
Estados Unidos, apesar do aumento
dos preços da gasolina. Preço do carro: US$ 30 mil. O licenciamento foi
feito na hora, na própria loja. Amos
queria comprá-lo à vista, mas foi
aconselhado pelo vendedor a adquirir um financiamento com prazo de
quatro anos. E aqui vem o detalhe
importante da história: pelo crédito,
vai pagar juros de 4,9% ao ano.
Lembrei-me do Amos ao ler, dois
domingos atrás (20/8), reportagem
da Folha mostrando que o crédito
está se esgotando como motor do
crescimento do consumo e da economia. Houve forte expansão da
concessão de financiamentos para
as pessoas físicas nos últimos anos,
principalmente em razão da criação do crédito consignado, de baixo risco para os bancos, uma vez
tem a garantia das folhas de salários ou dos benefícios da Previdência Social (no caso dos aposentados). O estoque de crédito bancário no país, no ano passado, por
exemplo, aumentou significativos
30%.
Não há nada de errado nisso. Um
olhar para o mundo revela que o
volume de crédito está diretamente relacionado com o crescimento
das economias. Na média internacional, o crédito total representa
mais de 100% do PIB (Produto Interno Bruto). Na China, por exemplo, chegou no ano passado a 114%
do PIB, ou US$ 2,5 trilhões. No
Brasil é de apenas 32,6%.
O Brasil precisa, portanto, avançar muito em matéria de crédito. É
lamentável que ocorra essa perda
do seu efeito estimulador. Mas é
explicável. Nos Estados Unidos,
Amos pagou 4,9% ao ano pelo carro financiado. Aqui, segundo levantamento do Banco Central, divulgado na semana passada, os financiamentos de veículos custam
em média 32,6% ao ano, embora
tenham as taxas mais baixas entre
as cobradas nas diversas modalidades de crédito à pessoa física. Os
empréstimos com cheque especial,
por exemplo, custam 144,1% ao
ano. Os créditos para aquisição de
bens, 59,6% ao ano.
É fácil entender por que o mecanismo do crédito tende a se esgotar
como motor do crescimento econômico neste momento. Com a
maior demanda de empréstimos e
com os juros estratosféricos pagos
pelos tomadores de empréstimos,
a inadimplência vem aumentando
bastante. Em São Paulo, 37,3% das
pessoas que têm dívidas estão com
as contas em atraso, segundo indicadores da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Considerando as operações vencidas há
mais de 90 dias, a inadimplência
geral no país atingiu 7,5% em julho. Um ano antes era de 5,9%. Ou
seja, houve um crescimento de
27%, o que levou os bancos a reduzir a oferta de crédito.
O crescimento da economia não
poderá se sustentar, nem aqui nem
na China, sem vigorosa oferta de
crédito tanto às empresas quanto
às pessoas físicas. Estas precisam
de empréstimos para consumo e
aquisição de bens, inclusive imóveis. Aquelas, para capital de giro e
para alavancar investimentos que
vão atender ao crescimento da demanda. Em ambos os casos, só há
uma saída para manter o fôlego do
credito: baixar as taxas cobradas
pelos bancos.
O ministro Guido Mantega pretende tomar medidas para estimular a competição bancária, entre
elas o aumento do alcance da central de risco do Banco Central, que
atualmente está restrita a pessoas
com crédito bancário acima de R$
5.000, a mudança da lei do crédito
consignado para que os empregados tenham condição de negociar
seu crédito com outros bancos e a
diminuição do Fundo Garantidor
de Crédito. Além disso, pretende
forçar a redução do "spread" bancário (diferença entre os custos de
captação de recursos e as taxas cobradas nos empréstimos do sistema financeiro), que se mantém em
27,5 pontos percentuais apesar da
queda dos juros.
A direção das medidas é correta.
O país está vivendo uma bolhinha
de crescimento econômico principalmente por causa do crédito.
Não é bom deixar que ela estoure.
BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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