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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Retrocesso no Mercosul
dificulta a integração
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
As negociações entre Brasil e
Argentina estão no maior impasse desde a criação do Mercosul. É
uma boa hora para avaliar de forma ponderada o destino do projeto. Mas isso exige que se deixe de
lado a argumentação diplomática
e geopolítica, ao menos por um
instante, para avaliar a estrutura
econômica do Mercosul.
Infelizmente, em geral a economia do Mercosul é apresentada
como a mera soma dos PIBs ou
das populações, seguida pelos
clássicos exemplos de aumento
dos fluxos de comércio, como se
as duas coisas fossem suficientes
para garantir a integração.
O exame das estruturas econômicas e sua evolução acabam ficando em segundo plano. Curiosamente, uma das melhores sínteses dessa comparação aparece
num texto cujo objetivo é analisar
as políticas da Argentina e do Brasil para tecnologia de informação.
O trabalho, apresentado em junho num seminário sobre os dois
países promovido pelo IPRI (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, do Ministério das
Relações Exteriores), está na Internet em www.mre.gov.br/ipri/.
O autor é Hugo Nochteff, economista, pesquisador do "Consejo
Nacional de Investigaciones Cientificas Y Tecnicas" e professor da
Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais (FLACSO).
Para Nochteff, tanto a economia
argentina quanto a brasileira podem ser caracterizadas como em
"retrocesso relativo". O problema
está na velocidade e na intensidade com que cada uma delas recua.
O produto "per capita" da Argentina se reduz em relação ao
resto do mundo entre 1950 e 1992.
Ainda segundo Nochteff, entre
1950 e 1992 o produto "per capita"
da Europa Meridional cresceu
190.8% mais do que o da Argentina, e o da Ásia, 301,4% mais. Mas
nessa comparação entram médias. Tomando por referência casos isolados de sucesso, como a
Coréia do Sul, a diferença entre
taxas de crescimento chegou a
648,7%. Até a Grécia, vanguarda
do atraso europeu, cresceu
245,9% mais que a Argentina.
Os números para o Brasil, no
mesmo período, indicam que o
seu produto "per capita" cresceu
46,1% mais que o da Argentina
entre 1950 e 1973 e 24,4% mais entre 1973 e 1992 (81,7% entre 1950 e
1992). Mas nesse período de mais
de 40 anos o produto "per capita"
do Brasil retrocedeu em relação à
Europa Ocidental, Europa meridional e Ásia. Perdeu para todos
os países mais dinâmicos.
Nochteff sublinha que a magnitude do retrocesso brasileiro é
muito menor do que a do argentino. Mas isso não significa que tenha sido pequeno. Curiosamente,
no Brasil se fala muito numa ou
noutra década perdida, mas os
números sugerem que se perdeu
meio século ou mais.
Nas comparações entre Brasil e
Argentina os contrastes também
são chocantes. O emprego aumentou no Brasil, entre 1950 e
1992, 93,6% mais do que na Argentina, enquanto a população
brasileira crescia 56,1% mais do
que a argentina. Nochteff interpreta esse fato como um indício
de que a economia brasileira teve
maior capacidade de incorporação da população à atividade econômica. Ainda entre 1950 e 1992, a
produtividade aumentou na Argentina 72,8%, e no Brasil,
151,3%, ou seja, 45,4% a mais.
O Mercosul é apresentado portanto como uma região em retrocesso relativo, levando-se em conta o produto bruto "per capita" a
longo prazo (em mais de 40 anos).
É uma péssima notícia porque,
a rigor, processos de integração
têm mais chance de sucesso
quando há progresso regional.
Buscar a integração de dois sistemas em retrocesso lembra o
abraço de afogados, em que a situação de ambos piora na mesma
medida em que parecem tentar,
no desespero, se salvar.
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