São Paulo, Domingo, 29 de Agosto de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Retrocesso no Mercosul dificulta a integração

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

As negociações entre Brasil e Argentina estão no maior impasse desde a criação do Mercosul. É uma boa hora para avaliar de forma ponderada o destino do projeto. Mas isso exige que se deixe de lado a argumentação diplomática e geopolítica, ao menos por um instante, para avaliar a estrutura econômica do Mercosul.
Infelizmente, em geral a economia do Mercosul é apresentada como a mera soma dos PIBs ou das populações, seguida pelos clássicos exemplos de aumento dos fluxos de comércio, como se as duas coisas fossem suficientes para garantir a integração.
O exame das estruturas econômicas e sua evolução acabam ficando em segundo plano. Curiosamente, uma das melhores sínteses dessa comparação aparece num texto cujo objetivo é analisar as políticas da Argentina e do Brasil para tecnologia de informação. O trabalho, apresentado em junho num seminário sobre os dois países promovido pelo IPRI (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, do Ministério das Relações Exteriores), está na Internet em www.mre.gov.br/ipri/. O autor é Hugo Nochteff, economista, pesquisador do "Consejo Nacional de Investigaciones Cientificas Y Tecnicas" e professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO).
Para Nochteff, tanto a economia argentina quanto a brasileira podem ser caracterizadas como em "retrocesso relativo". O problema está na velocidade e na intensidade com que cada uma delas recua.
O produto "per capita" da Argentina se reduz em relação ao resto do mundo entre 1950 e 1992. Ainda segundo Nochteff, entre 1950 e 1992 o produto "per capita" da Europa Meridional cresceu 190.8% mais do que o da Argentina, e o da Ásia, 301,4% mais. Mas nessa comparação entram médias. Tomando por referência casos isolados de sucesso, como a Coréia do Sul, a diferença entre taxas de crescimento chegou a 648,7%. Até a Grécia, vanguarda do atraso europeu, cresceu 245,9% mais que a Argentina.
Os números para o Brasil, no mesmo período, indicam que o seu produto "per capita" cresceu 46,1% mais que o da Argentina entre 1950 e 1973 e 24,4% mais entre 1973 e 1992 (81,7% entre 1950 e 1992). Mas nesse período de mais de 40 anos o produto "per capita" do Brasil retrocedeu em relação à Europa Ocidental, Europa meridional e Ásia. Perdeu para todos os países mais dinâmicos.
Nochteff sublinha que a magnitude do retrocesso brasileiro é muito menor do que a do argentino. Mas isso não significa que tenha sido pequeno. Curiosamente, no Brasil se fala muito numa ou noutra década perdida, mas os números sugerem que se perdeu meio século ou mais.
Nas comparações entre Brasil e Argentina os contrastes também são chocantes. O emprego aumentou no Brasil, entre 1950 e 1992, 93,6% mais do que na Argentina, enquanto a população brasileira crescia 56,1% mais do que a argentina. Nochteff interpreta esse fato como um indício de que a economia brasileira teve maior capacidade de incorporação da população à atividade econômica. Ainda entre 1950 e 1992, a produtividade aumentou na Argentina 72,8%, e no Brasil, 151,3%, ou seja, 45,4% a mais.
O Mercosul é apresentado portanto como uma região em retrocesso relativo, levando-se em conta o produto bruto "per capita" a longo prazo (em mais de 40 anos).
É uma péssima notícia porque, a rigor, processos de integração têm mais chance de sucesso quando há progresso regional.
Buscar a integração de dois sistemas em retrocesso lembra o abraço de afogados, em que a situação de ambos piora na mesma medida em que parecem tentar, no desespero, se salvar.








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