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VINICIUS TORRES FREIRE
Furar o telhado para tomar sol
Lula esburaca o teto fiscal do
país, bronzeia seu governo
circense, cria e engessa gastos
na bonança. E quando chover?
DESCONTE-SE A a habitual histeria mercadista a respeito
das contas públicas e ainda
vai sobrar muito motivo para acreditar que o governo Lula está fazendo
buracos no telhado da casa para
aproveitar os dias de sol, os dias da
bonança ainda resistente da economia mundial. O governo gasta por
conta, em particular agora porque
precisa comprar apoio para renovar
a CPMF. E se vier tempestade daqui
para o ano que vem? Não dá para ouvir as trovoadas financeiras em Brasília? E prudência e conservadorismo financeiro (que não significam
necessariamente conservadorismo
político ou social) deveriam ser norma, mas passemos, por ora.
A tentativa de aprovar a CPMF
desandou inteiramente em patetadas de conseqüências que começam
a parecer funestas. Uma mistura de
retardamento operacional e político, soberba e adesão do governismo
a calheirices fez com que o projeto
de renovação do tributo chegasse
tarde e avariado ao Congresso. A falta de planejamento, de capacidade
de negociação política e de visão sobre o futuro das contas públicas tende a arruinar as possibilidades de
tratar racional e prudentemente receitas e despesas do governo, ao menos para o anos de Lula 2.
O governo aceitou elevar o orçamento da saúde para os próximos
anos. Ontem, o Ministério da Fazenda disse que vai vincular mais receita para despesas com educação. Não
se sabe o impacto agregado de despesas menores, desonerações fiscais
e gastos pulverizados feitos à matroca, custos adicionais da compra de
apoio político para renovar a CPMF.
Pode vir mais confusão tributária,
a fim de compensar a eventual perda
da CPMF, ou redução do superávit
primário (até agora mantido em nível aceitável). O governo diz que, na
dúvida, vai segurar reajustes para
funcionários e desonerações tributárias mais grossas, embora tudo isso soe mais a chantagem do que a
responsabilidade. De resto, dados o
desarranjo do governo no Congresso e a leniência fiscal, é provável que
venham mais gastos por aí.
O governo engessa os orçamentos
do futuro quando o país ainda tem
déficits, torra os ganhos de arrecadação e até de eficiência (como no
INSS), a dívida pública cai lentamente e o investimento público não
dá sinais de reagir na medida do aumento da arrecadação federal (aliás,
vai ficar muito atrás). Se o país crescer a 4% sob Lula 2, empurra-se o
problema para a frente. Se as trovoadas financeiras virarem chuva, se o
país crescer menos, se voltar a ter
déficits seguidos em conta corrente
mesmo crescendo menos, com o risco de tudo isso criar problemas para
a política monetária etc., Lula vai
gestar uma clássica e vulgar crise de
"ciclo político": fartar-se oportunisticamente da bonança temporária e
empurrar o pepino para o sucessor.
Se trovejar mas não chover, se o
país crescer? Melhor, mas teremos
perdido ótima oportunidade de conter despesas (nem é preciso cortá-las), de coordenar a política fiscal
com a monetária, de reduzir a conta
de juros e, enfim, como diz o clichê,
porém correto, de iniciar um círculo
virtuoso. O governo poderia investir
e ao mesmo tempo reduzir o gasto
(em relação ao PIB), a dívida pública
e a indecente despesa financeira. É
elementar. Mas não para este governo circense e de firula ideológica.
vinit@uol.com.br
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