São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Furar o telhado para tomar sol

Lula esburaca o teto fiscal do país, bronzeia seu governo circense, cria e engessa gastos na bonança. E quando chover?

DESCONTE-SE A a habitual histeria mercadista a respeito das contas públicas e ainda vai sobrar muito motivo para acreditar que o governo Lula está fazendo buracos no telhado da casa para aproveitar os dias de sol, os dias da bonança ainda resistente da economia mundial. O governo gasta por conta, em particular agora porque precisa comprar apoio para renovar a CPMF. E se vier tempestade daqui para o ano que vem? Não dá para ouvir as trovoadas financeiras em Brasília? E prudência e conservadorismo financeiro (que não significam necessariamente conservadorismo político ou social) deveriam ser norma, mas passemos, por ora.
A tentativa de aprovar a CPMF desandou inteiramente em patetadas de conseqüências que começam a parecer funestas. Uma mistura de retardamento operacional e político, soberba e adesão do governismo a calheirices fez com que o projeto de renovação do tributo chegasse tarde e avariado ao Congresso. A falta de planejamento, de capacidade de negociação política e de visão sobre o futuro das contas públicas tende a arruinar as possibilidades de tratar racional e prudentemente receitas e despesas do governo, ao menos para o anos de Lula 2.
O governo aceitou elevar o orçamento da saúde para os próximos anos. Ontem, o Ministério da Fazenda disse que vai vincular mais receita para despesas com educação. Não se sabe o impacto agregado de despesas menores, desonerações fiscais e gastos pulverizados feitos à matroca, custos adicionais da compra de apoio político para renovar a CPMF.
Pode vir mais confusão tributária, a fim de compensar a eventual perda da CPMF, ou redução do superávit primário (até agora mantido em nível aceitável). O governo diz que, na dúvida, vai segurar reajustes para funcionários e desonerações tributárias mais grossas, embora tudo isso soe mais a chantagem do que a responsabilidade. De resto, dados o desarranjo do governo no Congresso e a leniência fiscal, é provável que venham mais gastos por aí.
O governo engessa os orçamentos do futuro quando o país ainda tem déficits, torra os ganhos de arrecadação e até de eficiência (como no INSS), a dívida pública cai lentamente e o investimento público não dá sinais de reagir na medida do aumento da arrecadação federal (aliás, vai ficar muito atrás). Se o país crescer a 4% sob Lula 2, empurra-se o problema para a frente. Se as trovoadas financeiras virarem chuva, se o país crescer menos, se voltar a ter déficits seguidos em conta corrente mesmo crescendo menos, com o risco de tudo isso criar problemas para a política monetária etc., Lula vai gestar uma clássica e vulgar crise de "ciclo político": fartar-se oportunisticamente da bonança temporária e empurrar o pepino para o sucessor.
Se trovejar mas não chover, se o país crescer? Melhor, mas teremos perdido ótima oportunidade de conter despesas (nem é preciso cortá-las), de coordenar a política fiscal com a monetária, de reduzir a conta de juros e, enfim, como diz o clichê, porém correto, de iniciar um círculo virtuoso. O governo poderia investir e ao mesmo tempo reduzir o gasto (em relação ao PIB), a dívida pública e a indecente despesa financeira. É elementar. Mas não para este governo circense e de firula ideológica.


vinit@uol.com.br

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