São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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ANÁLISE
Processo deverá mudar a indústria

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática

A Microsoft será dividida? Seu poderio será controlado? Ou o julgamento do século -na área de informática- vai terminar em pizza? Qualquer que seja o resultado, a ação do Departamento de Justiça contra a Microsoft vai mudar o mundo da informática e o comportamento das empresas norte-americanas em geral.
A primeira mudança, que pode ser chamada de comportamental-administrativa, se refere à política sobre uso de e-mails.
As mensagens eletrônicas estão sendo usadas como armas afiadas durante o julgamento. Governo e Microsoft foram cavoucar nos arquivos dos computadores das empresas envolvidas, conseguindo recuperar textos com linguagem dura, agressiva, que não eram destinados à leitura por olhos adversários.
As empresas e seus funcionários passam a saber que a tradicional advertência feita pela polícia norte-americana ao deter suspeitos de algum crime pode ter nova leitura: "Tudo o que você escrever em seus e-mails pode ser e será usado contra você".
Outra lição para a indústria de alta tecnologia norte-americana, cheia de compras e fusões, é que o governo está olhando. Outras companhias que dominam mercados, como a Intel, estão sob observação. E cada negócio importante em qualquer setor será analisado sob a ótica da legislação antitruste.


Resultados do julgamento Essas são consequências comportamentais. E as reais? O que o juiz Thomas Penfield Jackson vai dizer antes de bater o martelo?
Pode acabar tudo em pizza. A Microsoft, aliás, está usando o recente anúncio da compra da Netscape pela America Online para pedir o arquivamento imediato do processo, que teria perdido qualquer sentido.
Mesmo com o julgamento seguindo -o que deve acontecer-, a Microsoft pode vencer.
Isso, evidentemente, vai colocar a empresa, que já tem tentáculos nas mais diversas áreas -TV a cabo e transmissão de dados por satélite, por exemplo-, numa posição de ainda maior força.
Pode se arriscar em novos mercados e manter a política de concorrência agressiva que é sua marca registrada.
Do ponto de vista técnico, poderá "enriquecer" ainda mais seu produto principal, o sistema operacional "Windows", que é o responsável pelo controle das operações básicas do computador (faz o computador "entender", por exemplo, o que significa imprimir, arquivar um texto etc.).
E pode vir a dominar completamente a Internet, temem seus adversários, aproveitando como arma o poder que tem com o "Windows", que equipa mais de 90% dos computadores pessoais vendidos no mundo.
Se ela perder, porém, deve se tornar menos agressiva, mais cautelosa na entrada em novos mercados. Mas não deve perder o domínio que tem na área de sistemas operacionais.

O fim da Microsoft Uma eventual derrota da Microsoft pode ter vários tons.
A maior parte dos analistas de mercado ouvidos pela imprensa norte-americana não acredita em soluções muito dramáticas.
Apostam, sim, que a Justiça vai procurar definir medidas para reduzir o poder de pressão que a Microsoft tem e aumentar a concorrência. Ela poderia ser obrigada a divulgar os códigos que fazem com que os programas funcionem em harmonia com o "Windows".
Isso facilitaria muito a vida de empresas que produzem jogos, processadores de texto ou programas de cálculos.
Em termos práticos, porém, teria pouco efeito, porque a Microsoft costuma divulgar esses códigos -chamados API, sigla em inglês para interface de programa aplicativo- e a empresa poderia continuar a empacotar seus jogos e programas com o "Windows". Outra opção seria obrigar a Microsoft a licenciar o código-fonte do "Windows", a planta baixa do programa. Com o código, outras empresas poderiam criar suas versões do sistema, montando seus próprios pacotes. A outra face da moeda dessa última opção é proibir a empresa de incluir no "Windows" outras funções ou recursos além dos básicos. O que leva a uma complicada e inacabável discussão técnica sobre onde acaba o sistema operacional e onde começa o aplicativo. Mas a decisão mais dramática, que efetivamente eletriza a platéia, é a possibilidade de a Microsoft ser desmembrada. Todos dizem que isso é remoto, mas cada especialista e mesmo os concorrentes têm suas visões de como poderia ser a divisão.
Uma hipótese comentada é a divisão em três companhias, uma cuidando da área de sistemas operacionais -a Microsoft Windows-, outra responsável pelos aplicativos -a Microsoft Word ou Microsoft Office- e a terceira, pelos negócios na Internet -a Microsoft Explorer (os nomes são apenas exemplos, para deixar mais clara a área atual que cada "baby Microsoft" poderia ter).
Essa solução já foi usada no passado nos processos antitruste. Mais de 80 anos atrás, a então toda-poderosa Standard Oil, que dominava as áreas de refino e distribuição de combustível, foi dividida em 34 empresas. Em 84, a AT&T foi desmembrada em companhias regionais.
A solução nem sempre dá certo. Em 82, o governo norte-americano desistiu de um processo contra a IBM, depois de tentar durante 13 anos desmembrar aquela que ainda hoje é a maior empresa de informática do mundo.

O que diz o povo Nem os internautas, que costumam exalar um sentimento anti-Microsoft, cerram fileiras pela divisão da empresa de Gates.
Enquete feita pela revista "Time" na Internet teve 48,1% de votos pró-divisão e 50,81% de votos contra. Apesar da grande participação, 29.648, a enquete, como outras do gênero, não tem valor científico, não representando um universo definido.
Mesmo sem respaldo sociológico, porém, essas enquetes podem ser encaradas como indicadoras -nem que seja apenas da opinião dos votantes.
E ela é basicamente cética.
Enquete do jornal "San Jose Mercury News" teve 53,1% dos votantes acreditando que o processo contra a Microsoft servirá como incentivo à competição limpa na Internet. Mas 41% acham que a Microsoft não vai mudar suas práticas comerciais (contra 34% que acham o contrário). Práticas anticompetitivas, segundo 57,7% de uma enquete feita pelo diário "USA Today". Ou seja, para eles, o processo é positivo, mas não deve alterar o curso das coisas.



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