São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2001

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LUÍS NASSIF

Uma MP pouco clara

A Medida Provisória 2.139/ 62, de 26 de janeiro, publicada ontem no "Diário Oficial", vai dar muito pano para manga. E não apenas por revogar a MP 2.119/61, do mesmo dia, que não chegou a ser editada.
A MP diz que disponibilidades de caixa do setor público, inclusive depósitos judiciais, poderão ser depositada em instituições financeiras em processo de privatização. Mas não apenas nelas. Também nas instituições financeiras já privatizadas, com prazo até 2010. Na opinião de fontes de bancos oficiais, a MP beneficiaria injustificadamente bancos que já foram privatizados, em detrimento de bancos públicos.
No dia 29 de novembro passado, logo após a privatização do Banespa, eu alertava aqui na coluna que o parágrafo 3º do artigo 194 da Constituição impediria o Banespa de, privatizado, receber depósitos públicos.
Logo após a privatização, o Conselho de Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo fez provimento determinando que em 60 dias todos os novos depósitos judiciais seriam depositados na Nossa Caixa. Em seis meses os depósitos já depositados no Banespa seriam transferidos para a Nossa Caixa, à razão de um sexto por mês. O BC questionou a capacidade da Nossa Caixa de assumir a incumbência. E -quando ela insistiu na sua condição- fez com que assinasse carta se responsabilizando.
Agora saiu medida provisória dizendo que disponibilidades de caixa do setor público poderão ser depositadas em instituições financeiras em processo de privatização ou em instituições privatizadas até 2010. Os novos depósitos oficiais serão depositados em instituições oficiais, mas o estoque atual terá prazo para transferência, até o ano 2010, de acordo com procedimentos determinados pelo Banco Central. A Nossa Caixa se sentiu prejudicada pelo que considera medida discriminatória.
As explicações de Carlos Eduardo de Freitas, diretor do BC, são de que em todo processo de privatização havia o entendimento tácito de que bancos privatizados poderiam receber depósitos públicos. Em algumas privatizações houve contratos entre o governo estadual e o comprador assegurando a permanência de depósitos públicos, como forma de melhorar o valor da instituição.
Segundo Carlos Eduardo, a Constituição de fato definia que os recursos públicos deveriam ser depositados apenas em bancos oficiais, exceto nos casos previstos em lei. Em 1991, na gestão Marcílio Marques Moreira na Fazenda, a Procuradoria Geral da Fazenda aprovou parecer dizendo que esse dispositivo não era auto-aplicável, dependendo de uma lei.
O espírito do legislador era impedir a indústria das ARO (Antecipação das Receitas Orçamentárias). A exceção se prendia ao fato de, em determinadas regiões, poder não existir banco público apto ao atendimento, apenas isso.
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi aprovada reiterando o que dizia a Constituição. A partir daí, segundo Carlos Eduardo, os bancos privatizáveis passaram a sofrer, já que outros bancos oficiais começaram a abordar as prefeituras insistindo que, após a privatização, não poderiam ficar na antiga instituição.
A intenção da MP, segundo ele, foi impedir esse processo, que poderia depreciar os bancos federalizados. O raciocínio não fecha. Grosso modo, pode-se dividir os bancos, de acordo com a privatização, em a) bancos privatizados que tinham contrato com os respectivos governos estaduais de manutenção dos depósitos públicos; b) bancos já privatizados que não dispõem desses contratos; e c) bancos a serem privatizados.
Para atender às preocupações do BC, bastaria a MP ser específica para o primeiro e terceiro grupos. Por que incluir bancos privatizados, em cuja privatização essa possibilidade não estava definida? Segundo Carlos Eduardo, se não fosse estendido, poderia haver questionamento na Justiça. E qual o problema? O fato de se questionar na Justiça não impediria os bancos oficiais de captar esses recursos. Além disso, segundo ele, esse dispositivo da MP vai ajudar a melhorar a competição no setor. Então por que não abrir para todos os bancos novamente? Porque aí se iria contra o espírito da Constituição, que diz que a lei deve administrar as exceções.
Mas, com essa MP, o benefício foi estendido a duas ou três instituições. E aí uma MP só não basta: tem de vir acompanhada de explicações convincentes.

Internet: www.dinheirovivo.com.br

E-mail - lnassif@uol.com.br


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