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OPINIÃO ECONÔMICA
Porto Alegre pergunta: o medo vencerá a esperança?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Estive em Porto Alegre para
participar de dois painéis de
debate no Fórum Social Mundial.
Uma coisa me impressionou: o
clima de desalento em relação ao
governo Lula. A esperança não
morreu, é claro. Mas prevalecem
a inquietação, a perplexidade e
até um começo de revolta. Muitos
já perguntam: será que, afinal, o
medo é que vai vencer a esperança?
O continuísmo na área econômica é um dos motivos do descontentamento. Um funcionário do
Banco Central disse durante um
debate, sob aplausos gerais, que
está com vontade de ir para a
frente da sede da instituição, em
Brasília, e abrir uma faixa: "Fora
FHC!". Auditores da Receita Federal querem fazer o mesmo na
frente do prédio do Ministério da
Fazenda.
Esses sentimentos e reações não
podem ser simplesmente desqualificados como manifestações de
ultraesquerdismo e irrealismo político, ainda que esses componentes estejam sempre presentes em
eventos como o de Porto Alegre. O
governo Lula cometerá erro grave
se não der atenção à insatisfação
que se acumula em setores que,
afinal, sempre integraram a base
social e política do PT e de outros
partidos de oposição.
Considerado individualmente,
cada um dos participantes do Fórum, mesmo os mais conhecidos e
celebrados, pouco representa do
ponto de vista político. Mas eles
são, em sua grande maioria, lideranças e formadores de opinião
nos mais variados meios em todo
o país: sindicatos, escolas, universidades, diretórios acadêmicos,
ONGs, partidos políticos e movimentos religiosos. O descontentamento com os primeiros passos do
governo, reforçado pelas discussões em Porto Alegre, tende a se
irradiar Brasil afora.
Não é difícil explicar a eleitores
de Lula, mesmo aos mais esquerdistas, que o governo precisa agir
com muita cautela. Ninguém espera mudanças rápidas e abruptas (que não foram, aliás, prometidas por Lula durante a campanha). Todos sabem o quanto é
frágil a situação da economia.
Todos reconhecem que a política
econômica do governo Fernando
Henrique Cardoso produziu um
grande estrago econômico e social, deixando o país vulnerável
às mudanças de humor dos mercados financeiros locais e internacionais.
Por outro lado, é por isso mesmo que se deseja ver o governo caminhar, com cautela, mas com
persistência e coragem, na direção de mudanças amplas nos
campos econômico e social. Como
declarou o ministro das Relações
Exteriores, Celso Amorim, em
Davos, o papel do governo é governar, e não adular o mercado
financeiro.
É difícil aceitar, por exemplo,
que o novo governo se limite a
reeditar, na área tributária, expedientes arrecadatórios, utilizados
durante a gestão de Everardo
Maciel, como o congelamento das
faixas de incidência do Imposto
de Renda. A preocupação com o
nível de arrecadação é fundamental, mas igualmente importante é corrigir as injustiças do
sistema tributário brasileiro, que
notoriamente contribuem para a
péssima distribuição da renda
nacional.
Os mercados financeiros vibram a cada sinal de continuidade que o governo Lula emite. Mas
o selo de aprovação dos mercados
pouco significa no fim das contas.
Os critérios de avaliação dos investidores e das instituições financeiras consistem em uma mistura singular e instável de miopia, ganância e medo. O inepto
governo FHC foi festejado por essa gente do começo ao fim. E com
que resultados para o país?
Muito mais importante do que
escutar os anseios do mercado financeiro internacional é escutar
os anseios da sociedade brasileira. Como fez, por exemplo, o ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini, na sua apresentação ao Conselho Nacional de Previdência Social, sexta-feira passada. Berzoini reconheceu dois pontos que vinham sendo levantados
havia muito tempo pelos funcionários: a) que o déficit da previdência pública não pode ser calculado como a simples diferença
entre os benefícios e as contribuições dos servidores, devendo-se
considerar também a contribuição do governo; e b) que contribuições sociais como a Cofins
(Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) ou a
CSLL (Contribuição Social sobre
o Lucro Líquido) foram criadas
para financiar a Seguridade Social, que inclui a Previdência. Se
todas essas fontes de receita forem
computadas, não há como falar
em déficit previdenciário, observou o ministro, ressalvando, entretanto, que algumas delas também se destinam às áreas da saúde e da assistência social (ver Ministério da Previdência Social,
"Diagnóstico do sistema previdenciário brasileiro", janeiro de
2003, www.mpas.gov.br).
Em suma, o que se espera do governo Lula é que o medo de desencadear turbulências financeiras não produza o imobilismo. E
que a cautela justificável não degenere na simples preservação de
uma orientação econômica longamente testada e sonoramente
rejeitada pelas urnas.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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