São Paulo, quinta, 30 de abril de 1998

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ARTIGO
Política econômica e (des)emprego

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

O agravamento do desemprego é o maior problema da economia brasileira atual. O indicador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) já atinge 8,2% em março para o nível nacional e o da Fundação Seade/Dieese, 18,1% na Região Metropolitana de São Paulo.
O problema do desemprego tem um fundo macroeconômico, decorrente dos efeitos diretos da política econômica, que combina um conjunto de medidas desfavoráveis ao crescimento econômico e, portanto, pouco geradoras de emprego.
De fato, há um processo de reestruturação produtiva na economia brasileira, basicamente decorrente da abertura comercial intensificada nos anos 90. Mais tarde, a implantação do Plano Real provocou a valorização do câmbio, de forma que o crescimento das importações foi imensamente superior ao crescimento da atividade econômica e das exportações.
De 1993 a 1997, enquanto as importações cresceram 143% no acumulado, as exportações evoluíram 37,4% e a atividade econômica, somente 17%. A consequência direta é a diminuição do valor agregado local, ou um processo de "exportação de empregos". No mesmo período, o desemprego aumentou em quase dois pontos percentuais da PEA (População Economicamente Ativa).
Nos últimos dois anos, o governo mudou seu discurso original de que deveria cuidar da estabilização e que o restante viria pelo "mercado". Desde então, vem promovendo uma gradual correção do câmbio. Timidamente, inicia um processo de retomada das políticas industrial e de comércio exterior, com o fortalecimento da Camex (Câmara de Comércio Exterior). É uma mudança positiva importante, mas ainda insuficiente para o que o país precisa.
Neste ano, o crescimento econômico dificilmente superará 1,5%. Enquanto isso, a PEA vem crescendo 2,5% ao ano. Ou seja, estaremos crescendo abaixo da PEA, o que por si só significa o agravamento potencial do desemprego.
Mas, além disso, há, em conjunto com a baixa atividade econômica, um processo de reestruturação, que primeiro ocorreu na indústria e agora atinge o setor terciário. A despeito dos aspectos positivos dessa reestruturação, ocorre um agravamento no quadro social, já que até então o desempenho do setor terciário vinha, mínima e parcialmente, compensando os efeitos da reestruturação na indústria.
Os dados do desemprego de março da pesquisa Seade/Dieese apontam a eliminação de 48 mil vagas no comércio. É fruto da reestruturação, mas também (e principalmente) dos elevados níveis de juros e da inadimplência. Ao mesmo tempo em que houve aumento dos juros, a renda real dos consumidores diminuía, impactando diretamente a demanda agregada e os índices de inadimplência, gerando dificuldades para as empresas manterem seu quadro de pessoal.
Ao contrário do que possa parecer num primeiro momento, o baixo crescimento brasileiro não é decorrente da globalização, mas dos erros da nossa política econômica, que recriou a restrição externa, com o crescimento do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos de 0,6% do PIB, em 93, para 2%, em 97.
Além disso, a ausência de políticas públicas voltadas para esse fim não tem permitido as condições para "puxar" o crescimento econômico.
Muito pode ser feito com o incentivo a setores fortemente demandadores de mão-de-obra, como infra-estrutura, construção civil, turismo e lazer, por exemplo, todos com baixo coeficiente importador. O Brasil, ao contrário da maioria dos Tigres Asiáticos, possui um amplo mercado interno, cuja demanda é reprimida.
A expansão dos investimentos, combinada com uma política agressiva de exportações, pode permitir geração de emprego e renda locais, além de contribuir para a eliminação da restrição externa no médio prazo.
Os recursos públicos (BNDES) podem ser canalizados para essas atividades, no bojo de uma política de desenvolvimento. Não há razão, exceto pelos equívocos de implantação e/ou pela ausência de delineamentos claros de políticas públicas, para o Brasil ficar refém de medidas econômicas que restringem o crescimento, agravam o desemprego, deterioram o poder de compra dos salários e precarizam o mercado de trabalho.
PS: dedico este artigo à memória do professor Álvaro Antônio Zini Jr., falecido precocemente em 23 deste mês, exemplo de dignidade no exercício da cidadania e da profissão.


Antônio Corrêa de Lacerda, 41, economista, é coordenador da Cofecon (Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia), professor e pesquisador do Departamento de Economia da PUC-SP. Foi presidente do Conselho Regional de Economia de 1995 a 1997.
E-mail: lacerda@cofecon.org.br



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