São Paulo, quinta, 30 de abril de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Responda depressa: o governo FHC é responsável?

ALOYSIO BIONDI

A Bahiafarma, estatal que produz remédios contra a tuberculose, está falida. Incompetência? Não. Seus remédios eram comprados pelo Ministério da Saúde, para distribuição à população pobre. O governo FHC cortou 80% de suas compras, no ano passado. Responda depressa: você acha que é por isso que a tuberculose está avançando no país, colocando-o entre os dez maiores focos da doença no mundo? A culpa é do corte de verbas sociais pelo governo FHC?

Nordeste
O governo FHC nega que tenha demorado em anunciar providências para minorar os efeitos da seca no Nordeste. Um porta-voz chega a dizer que nos últimos quatro meses o governo fez silêncio sobre o problema para "não alarmar", não provocar êxodo. Como sempre, explicações otimistas. Roraima, dengue, greve nas universidades, sempre a mesma demora, e a mesma indiferença. O fato é que, mesmo agora, o governo precisa de três semanas para começar a distribuição maciça de comida. Ah, sim. E não há arroz nos estoques do governo. E nem para comprar: mesmo sem a seca nordestina, a safra brasileira seria de apenas 9,5 milhões de toneladas, contra o consumo de 12 milhões de toneladas. Responda depressa: você acha que Brasília planeja algo? Deveria ter previsto importações (ou, antes, estimulado o plantio?).

Covardia

O ministro José Serra demite coordenadores do combate à dengue. Mas quem reteve as verbas desse programa foi a equipe econômica, o governo FHC. Em dezembro de 1994, o coordenador de Goiás pediu R$ 28 mil (isso mesmo, o preço de um automóvel) para comprar inseticida e matar o mosquito transmissor. Há três anos. Se essa verba tivesse sido liberada para Goiás e outros Estados, a epidemia teria sido abortada. Não houve dinheiro, como não houve para o combate à tuberculose, ou para vacinas contra a hepatite, a meningite, o sarampo. Responda depressa: você acha que as demissões na Saúde -e no Nordeste- são manobras para criar "bodes expiatórios"?

Energia elétrica
As tarifas de energia elétrica, de empresas privadas como a Light ou estatais, são reajustadas uma vez por ano. No começo do mês, às vésperas do leilão de privatização das energéticas paulistas, o governo FHC anunciou que essas empresas de São Paulo não teriam reajuste neste ano, mas somente em abril de 1999. Porta-vozes de Brasília, como o co-governador paulista Geraldo Alkmin, encarregado da "desestatização", derramaram falação na TV e jornais, dizendo que esse "congelamento de tarifas" já mostrava as vantagens que a privatização traria ao consumidor. Engraçado. Passado o leilão, o governo FHC anunciou reajuste de tarifas para a Light, para a CPFL, energética paulista já privatizada, para todo mundo enfim. Engraçado. Só as estatais paulistas ficaram sem reajuste na faixa de 4% a 5%. Responda depressa: em um país civilizado, o Legislativo e a sociedade não pediriam explicações sobre tamanha arbitrariedade, tamanho autoritarismo? E o "congelamento", ao reduzir o faturamento previsto para as empresas em fase de privatização, não reduz também o seu prazo para os compradores nos leilões, com prejuízos de centenas de milhões de reais para São Paulo?

Sem compromisso
O governo FHC vai privatizar até a Embratel, responsável pelo sistema de satélites que ligam o Brasil ao mundo (fornecem canais para mais telefonia, televisão etc.). Até há um mês, o próprio governo FHC concordava com os críticos e admitia que não se pode deixar o controle desse sistema totalmente nas mãos da iniciativa privada -porque um grupo empresarial, seu proprietário, poderia prejudicar os concorrentes, monopolizar etc. (Sem falar em problemas estratégicos já que está em jogo a própria comunicação do país com o mundo).
Para evitar esse perigo -controle e monopólio privado-, o governo FHC anunciava que o Estado teria o poder de interferir quando necessário, pois participaria do capital da empresa privada com ações especiais ("golden shares"). Há alguns dias, saiu o edital para vender, privatizar a Embratel. O governo FHC, na surdina, quebrou seus compromissos. Não está prevista a criação das ações especiais. Responda depressa: pode-se confiar no governo FHC?


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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