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São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 2003

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ARTIGO

Nível de bem-estar material está menor do que no ano passado

FRANCISCO PESSOA FARIA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para entender a discrepância entre a percepção (negativa) comum sobre o estado da economia brasileira e o crescimento do PIB é preciso levar em consideração algumas questões metodológicas e estatísticas, além do perfil do crescimento revelado pelo IBGE.
Começando pelos aspectos metodológicos, vale destacar os subsetores Aluguéis e Administração Pública, que têm grande peso no PIB (respectivamente, 11% e 16%). Uma boa parte do subsetor Aluguéis corresponde, seguindo a metodologia recomendada pela ONU, ao chamado aluguel imputado -um "serviço de habitação" proporcionado por todo domicílio, mesmo que seja de propriedade de quem o habita. Ora, a não ser no caso de uma catástrofe, o número de domicílios no país não teria por que cair; na verdade, devido ao aumento populacional, ele costuma registrar todo ano um crescimento em torno de 2% -o que ajuda a "segurar" a queda do PIB quando outras atividades não vão bem. Já no caso da Administração Pública ocorre algo semelhante: devido às dificuldades de obtenção de estatísticas de todos os níveis de governo, o IBGE calcula parte importante da evolução desse subsetor por meio do crescimento da população (além de utilizar dados sobre saúde e educação públicas), adotando a hipótese de que a utilização de serviços per capita permanece igual. Como a população cresce, uma parte do PIB da Administração Pública sempre cresce, independentemente dos gastos públicos. Note-se, portanto, que o impacto registrado provavelmente é bem menor do que vem acontecendo na prática, já que as autoridades estão promovendo um forte ajuste fiscal.
Quanto ao aspecto estatístico, lembremos que no período de comparação (primeiro trimestre de 2002) a economia também não estava bem, ainda sob impactos diretos e indiretos do apagão de 2001. Como o nível de atividade estava baixo, crescer em relação a ele não significa que as empresas estejam em uma boa situação, mas apenas que estejam em uma situação menos desconfortável.
Finalmente, é preciso destacar a diferença entre a evolução do mercado doméstico e a do comércio exterior. Os números do IBGE mostraram que o consumo privado caiu em relação ao primeiro trimestre de 2002, o que corrobora a percepção de que o nosso nível de bem-estar material está realmente menor do que no ano passado. Mas mostram também que as importações recuaram mais do que o registrado pelo consumo privado, e, ainda, que as exportações subiram. Isso significa que parte do aumento da produção serviu para substituir bens importados e parte serviu para atender o consumo do exterior. Nesse sentido não há contradição entre o fato de estar ocorrendo, simultaneamente, um aumento da produção nacional (e do PIB) e uma queda do consumo interno.
Quanto ao resto do ano, espera-se que o consumo privado comece a melhorar, caso não haja deterioração do cenário externo. Isso porque os bons resultados das exportações poderiam ser mantidos e haveria uma maior disponibilidade de capital externo para nos financiar. Isso, por sua vez, ajudaria a manter o câmbio e a inflação sob controle, o que permitiria a redução da taxa de juros, diminuiria a deterioração do salário real e aumentaria a confiança dos consumidores.


Francisco Pessoa Faria, 35, é economista sênior da LCA Consultores.


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