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ARTIGO
Nível de bem-estar material está menor do que no ano passado
FRANCISCO PESSOA FARIA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Para entender a discrepância entre a percepção (negativa) comum sobre o estado da
economia brasileira e o crescimento do PIB é preciso levar em
consideração algumas questões
metodológicas e estatísticas, além
do perfil do crescimento revelado
pelo IBGE.
Começando pelos aspectos metodológicos, vale destacar os subsetores Aluguéis e Administração
Pública, que têm grande peso no
PIB (respectivamente, 11% e
16%). Uma boa parte do subsetor
Aluguéis corresponde, seguindo a
metodologia recomendada pela
ONU, ao chamado aluguel imputado -um "serviço de habitação"
proporcionado por todo domicílio, mesmo que seja de propriedade de quem o habita. Ora, a não
ser no caso de uma catástrofe, o
número de domicílios no país não
teria por que cair; na verdade, devido ao aumento populacional,
ele costuma registrar todo ano
um crescimento em torno de 2%
-o que ajuda a "segurar" a queda do PIB quando outras atividades não vão bem. Já no caso da
Administração Pública ocorre algo semelhante: devido às dificuldades de obtenção de estatísticas
de todos os níveis de governo, o
IBGE calcula parte importante da
evolução desse subsetor por meio
do crescimento da população
(além de utilizar dados sobre saúde e educação públicas), adotando a hipótese de que a utilização
de serviços per capita permanece
igual. Como a população cresce,
uma parte do PIB da Administração Pública sempre cresce, independentemente dos gastos públicos. Note-se, portanto, que o impacto registrado provavelmente é
bem menor do que vem acontecendo na prática, já que as autoridades estão promovendo um forte ajuste fiscal.
Quanto ao aspecto estatístico,
lembremos que no período de
comparação (primeiro trimestre
de 2002) a economia também não
estava bem, ainda sob impactos
diretos e indiretos do apagão de
2001. Como o nível de atividade
estava baixo, crescer em relação a
ele não significa que as empresas
estejam em uma boa situação,
mas apenas que estejam em uma
situação menos desconfortável.
Finalmente, é preciso destacar a
diferença entre a evolução do
mercado doméstico e a do comércio exterior. Os números do IBGE
mostraram que o consumo privado caiu em relação ao primeiro
trimestre de 2002, o que corrobora a percepção de que o nosso nível de bem-estar material está
realmente menor do que no ano
passado. Mas mostram também
que as importações recuaram
mais do que o registrado pelo
consumo privado, e, ainda, que as
exportações subiram. Isso significa que parte do aumento da produção serviu para substituir bens
importados e parte serviu para
atender o consumo do exterior.
Nesse sentido não há contradição
entre o fato de estar ocorrendo, simultaneamente, um aumento da
produção nacional (e do PIB) e
uma queda do consumo interno.
Quanto ao resto do ano, espera-se que o consumo privado comece a melhorar, caso não haja deterioração do cenário externo. Isso
porque os bons resultados das exportações poderiam ser mantidos
e haveria uma maior disponibilidade de capital externo para nos
financiar. Isso, por sua vez, ajudaria a manter o câmbio e a inflação
sob controle, o que permitiria a
redução da taxa de juros, diminuiria a deterioração do salário
real e aumentaria a confiança dos
consumidores.
Francisco Pessoa Faria, 35, é
economista sênior da LCA Consultores.
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