São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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BC vê turbulência atual como passageira, diz diretor

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O diretor de Política Econômica do Banco Central, Ilan Goldfajn, diz que o BC trabalha com o cenário de que a recente turbulência no mercado é exagerada e passageira. No entanto admite que há riscos desse cenário não se confirmar. Se isso ocorrer, diz ele, o dólar permaneceria alto por mais tempo e, consequentemente, a pressão sobre a inflação seria maior. Ou seja, não haveria espaço para corte de juros.
Para Goldfajn, o nível da atividade de econômica deve ter um recuo em maio e também em junho. "Uma coisa é certa: não haverá excesso de demanda nesse momento. Pode estar crescendo pouco, crescendo nada, ou caindo um pouquinho, mas crescendo muito, não", disse. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida na última quinta-feira.

 

Folha - A partir de que nível de alta do dólar a indústria repassaria o aumento de custos para os preços?
Ilan Goldfajn -
No fundo ninguém sabe. Nós temos estimativas. O que se sabe é que, quanto mais depreciada a taxa de câmbio, e quanto mais tempo ficar depreciada, maior é a probabilidade de haver o repasse. Não há um número mágico.

Folha - Em média, qual a estimativa usada para avaliar o grau de repasse do aumento de custos com a alta do dólar para os preços?
Goldfajn -
Não há números mágicos. Essas coisas são muito menos precisas do que se imagina, ou do que a gente gostaria. O que nós sabemos, pelo histórico, é que em geral você tem um repasse de quase 10%, ao longo de três meses, quando isso [a depreciação] é percebido como permanente. Ao longo dos 12 meses, você ganha mais um pouquinho, de 12% a 15% de repasse.

Folha - Mas é preciso olhar o nível da atividade econômica.
Goldfajn -
O nível da atividade econômica vai influenciar muito o "timing", ou seja, quando isso vai ser repassado ou não. Se você tem, ao mesmo tempo, uma depreciação, mas também uma queda da atividade, quase que uma é compensada pela outra. Você tem uma depreciação, mas o atacado não consegue repassar para o varejo, porque o varejo não tem capacidade de vender seus produtos, vê que não tem demanda.

Folha - O Copom não cortou os juros neste mês devido às turbulências no mercado, mais precisamente a alta do dólar.
Goldfajn -
Não só o dólar. Evidentemente que o dólar é a relação mais próxima com a inflação. Mas as outras variáveis acabam influenciando a economia, acabam podendo gerar indiretamente efeitos no câmbio. As coisas não são tão mecânicas assim: você bota valores específicos e sai uma decisão. Nós olhamos as taxas de juros de longo prazo, o risco Brasil. Olhamos várias taxas para avaliar a situação da economia.

Folha - O quadro é de um nível de atividade econômica muito baixo.
Goldfajn -
Não está tão baixo. O piso da atividade econômica se deu no terceiro trimestre de 2001. Veio se recuperando, em abril teve um crescimento industrial forte e, em maio, ele deve ter recuado um pouco. Talvez em junho tenhamos um novo ajuste [menos crescimento]. Nos próximos meses teremos de ver como passa essa turbulência. Mas uma coisa é certa: não haverá excesso de demanda nesse momento. Pode estar crescendo pouco, crescendo nada, ou caindo um pouquinho, mas crescendo muito, não.

Folha - O presidente do BC, Armínio Fraga, falou em um crescimento neste ano menor do que 2%.
Goldfajn -
A projeção conservadora hoje indicaria 2%. Se você quiser ser mais conservador ainda, falaria em menos.

Folha - A economia está com um nível baixo de atividade. A indústria ainda tem margem para queimar antes de repassar o aumento do dólar para os preços. A turbulência do mercado, se não deteriorar muito, não seria então grande empecilho para o corte de juros?
Goldfajn -
O que eu posso dizer é que o impacto do câmbio sobre a inflação fica menor na medida em que você tem um crescimento mais leve ou mesmo uma parada nele. Há duas possibilidades, que vão depender do nível do câmbio, que mesmo com demanda fraca pode ter repasse. O nível da atividade inibe o repasse, mas de forma nenhuma o anula. O outro fator é que, se subir, não tem jeito, o repasse vai ser maior.

Folha - Subir muito, em sua avaliação, seria quanto?
Goldfajn -
De novo, não há valor, não há número mágico. Ou seja, em algum momento vai se verificar que, mesmo o nível de atividade sendo baixo, alguns produtos acabam tendo repasse.

Folha - O BC ainda trabalha com a idéia de que a recente depreciação do real é temporária?
Goldfajn -
A nossa percepção é que essa turbulência no mercado é exagerada e, dado que não reflete os fundamentos da economia, provavelmente será temporária. Somos obrigados a trabalhar também com cenários alternativos. Se é verdade que o mercado de câmbio pode ficar pressionado por mais tempo, isso pode ter alguma implicação sobre os preços. Não é nosso cenário básico. Mas obviamente que as turbulências no mercado recentemente indicam que pode ser que tenhamos que adiar o nosso cenário básico. Há riscos para o cenário que nós achamos ser possível, que é de essa turbulência ser temporária. Se o cenário básico não se confirmar, o repasse é maior.

Folha - As taxas futuras de juros estão num patamar bem alto, bastante descoladas da Selic. Não são as taxas futuras que têm maior importância para a economia real, mais do que a Selic?
Goldfajn -
A taxa de seis meses acaba refletindo muito mais o custo de captação das empresas, muito mais o sentimento do consumidor.

Folha - Ou seja, um corte na taxa básica, em um cenário de juros altos no futuro, não significa que vai beneficiar o consumidor?
Goldfajn -
Não necessariamente, tem de olhar as taxas longas [no mercado futuro". (...) Essa é a graça de política monetária, o BC tem o controle da taxa básica, mas não sabe o efeito da taxa longa.

Folha - Quando o BC define viés de baixa, que sinal quer dar para o mercado?
Goldfajn -
Nenhum sinal específico diferente do que nós dissemos na ata [do Copom". Dissemos que o viés de baixa é um viés que deveríamos usar na medida em que nosso cenário básico parece mais provável. Quando isso acontece? Quando as nossas turbulências não parecerem temporárias, nem exageradas. Ou seja, quando as coisas se acalmarem. Aí voltamos para o cenário básico, que é quando haveria espaço para redução dos juros.


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