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OLHAR EXTERNO
Segundo Stiglitz, acordo chileno revela como os EUA usam livre comércio para limitar soberania econômica da AL
"Chance de Alca em 2005 é próxima a zero"
DE NOVA YORK
Leia a continuação da entrevista
com o economista Joseph Stiglitz.
Nesta parte da entrevista, ele põe
perto de zero a probabilidade de
que o acordo de livre comércio
das Américas seja concluído até
janeiro de 2005, como previsto.
Folha - Os presidentes Lula e
Bush se comprometeram a terminar as negociações da Alca até janeiro de 2005, como programado.
Quais as chances de os 34 países
chegarem a um acordo em um ano
e meio?
Joseph Stiglitz - O ponto chave
está com os EUA: se vão abrir seus
mercados para os produtos agrícolas do Brasil, se vão eliminar
subsídios para que seus produtos
agrícolas possam concorrer com
os produtos brasileiros, se vão eliminar as barreiras não-tarifárias.
Se os EUA dissessem que iriam
fazer isso, acho se poderia chegar
a um acordo muito rapidamente.
Mas não vejo nenhum sinal de
que os EUA estejam ao menos
querendo falar sobre esses assuntos. Esses temas, que eu vejo como absolutamente centrais para
qualquer área de livre comércio
nas Américas, ficaram para discussão na OMC. E na OMC não
há nenhum progresso sendo feito.
Os relatos recentes que vêm dos
preparativos para o encontro ministerial de Cancún têm sido muito negativos. Na minha opinião,
dada a magnitude da mudança
dramática que seria necessária na
política econômica doméstica dos
EUA, acho que a probabilidade é
próxima a zero.
Folha - Nos itens agrícolas, a Europa tem posição defensiva e os
EUA se recusam a discutir o assunto
na Alca, preferindo a OMC. O que os
países em desenvolvimento podem
fazer então?
Stiglitz - Se vai haver um acordo
de livre comércio, ele tem que se
basear em princípios de reciprocidade. Itens que são importantes
para os EUA têm que ser contrabalançados com itens que são importantes para os países em desenvolvimento. Os EUA têm, por
exemplo, que abrir seu mercado
para o açúcar e para a carne.
A política americana tem se movido na direção contrária. No governo Bush, aumentaram os subsídios agrícolas. Então o assunto
deveria ser colocado de forma
muito clara: se os EUA querem o
acordo, o interesse econômico de
outros países tem que ser considerado seriamente.
O problema é que os EUA são
sempre muito sensíveis aos seus
próprios problemas domésticos.
Dizem que não podem mudar a
agricultura por causa da pressão
de forças políticas do Meio-Oeste.
Mas todos os países têm problemas políticos domésticos também. Querem que os outros países superem seus problemas domésticos, mas se recusam a discutir os seus próprios.
Folha - O sr. acha que a agricultura é a questão principal da Alca
neste momento?
Stiglitz - Acho que é um dos temas-chave. Eu listaria três assuntos. Um é a agricultura. Outro são
as barreiras não-tarifárias. Por
exemplo: não faria bem ao Brasil
assinar o acordo de livre comércio
e começar a exportar algo que os
EUA digam: "Vocês estão praticando dumping". Isso é exatamente o que aconteceu com o
México. Após o Nafta, os EUA começaram a tomar ações contra os
tomates, os abacates e até as ameixas mexicanas, uma série de ações
que tentaram manter os bens mexicanos fora do país mesmo com
as tarifas tendo sido reduzidas.
O terceiro ponto é o uso crescente de acordos de livre comércio para ir além do comércio. Eles
fizeram isso no acordo chileno,
por exemplo, no qual insistiram
em restringir o direito chileno em
usar controles de capital especulativo. Não tem nada a ver com
comércio, mas era de interesse de
Wall Street. Os EUA muito provavelmente fariam isso num acordo
de livre comércio das Américas.
Isso minaria a estratégia e a soberania brasileiras, sua estabilidade
para aplicar políticas sociais e,
creio, até a estabilidade para gerenciar sua economia.
Folha - Se a probabilidade de
acordo até 2005 é próxima a zero,
como o sr. diz, quais as consequências na política externa dos EUA?
Stiglitz - Acho que é bem possível que o próximo governo dos
EUA seja mais sensível em relação
a um acordo livre comércio. Isso
pode acontecer em 2004, talvez
em 2008. Mas, certamente entre
as pessoas mais jovens nos EUA,
há reconhecimento de que o que
fizemos no passado foi injusto.
Penso que as discussões contínuas vão criar uma força política
mais forte dentro dos EUA para
adoção de acordo de comércio
mais justo. Há reconhecimento
crescente nos EUA da importância da idéia de uma área de livre
comércio nas Américas, de integração econômica mais próxima.
Folha - Então não que é que o
acordo é impossível, mas sim improvável neste governo?
Stiglitz - Não quero excluir a
possibilidade de que o governo
possa mudar seu pensamento
-acho que há pessoas no governo que de fato acreditam na idéia.
Mas não vejo nenhuma evidência
de movimentos significativos na
direção certa.
Folha - Mas o governo americano
tem falado muito sobre a Alca.
Stiglitz - A questão é: qual é a
agenda econômica? Todo governo quer ter uma agenda. Eles não
podem fazer mais cortes de impostos, porque o déficit já está
muito grande.
Então o comércio está se tornando uma área de ativismo. É
um setor em que eles podem obter conquistas, e as empresas
americanas obviamente vêem
oportunidades. Essas empresas
americanas são evidentemente
grandes contribuintes da campanha, então há uma agenda política
clara de abrir mercados. Não há
agenda, por outro lado, de reciprocidade. Há pressão para fazer
algo, para conseguir uma área de
livre comércio nas Américas, mas
não há força política para que isso
seja feito de maneira justa.
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