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São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 2003

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OLHAR EXTERNO

Segundo Stiglitz, acordo chileno revela como os EUA usam livre comércio para limitar soberania econômica da AL

"Chance de Alca em 2005 é próxima a zero"

DE NOVA YORK

Leia a continuação da entrevista com o economista Joseph Stiglitz. Nesta parte da entrevista, ele põe perto de zero a probabilidade de que o acordo de livre comércio das Américas seja concluído até janeiro de 2005, como previsto.
 

Folha - Os presidentes Lula e Bush se comprometeram a terminar as negociações da Alca até janeiro de 2005, como programado. Quais as chances de os 34 países chegarem a um acordo em um ano e meio?
Joseph Stiglitz -
O ponto chave está com os EUA: se vão abrir seus mercados para os produtos agrícolas do Brasil, se vão eliminar subsídios para que seus produtos agrícolas possam concorrer com os produtos brasileiros, se vão eliminar as barreiras não-tarifárias.
Se os EUA dissessem que iriam fazer isso, acho se poderia chegar a um acordo muito rapidamente.
Mas não vejo nenhum sinal de que os EUA estejam ao menos querendo falar sobre esses assuntos. Esses temas, que eu vejo como absolutamente centrais para qualquer área de livre comércio nas Américas, ficaram para discussão na OMC. E na OMC não há nenhum progresso sendo feito. Os relatos recentes que vêm dos preparativos para o encontro ministerial de Cancún têm sido muito negativos. Na minha opinião, dada a magnitude da mudança dramática que seria necessária na política econômica doméstica dos EUA, acho que a probabilidade é próxima a zero.

Folha - Nos itens agrícolas, a Europa tem posição defensiva e os EUA se recusam a discutir o assunto na Alca, preferindo a OMC. O que os países em desenvolvimento podem fazer então?
Stiglitz -
Se vai haver um acordo de livre comércio, ele tem que se basear em princípios de reciprocidade. Itens que são importantes para os EUA têm que ser contrabalançados com itens que são importantes para os países em desenvolvimento. Os EUA têm, por exemplo, que abrir seu mercado para o açúcar e para a carne.
A política americana tem se movido na direção contrária. No governo Bush, aumentaram os subsídios agrícolas. Então o assunto deveria ser colocado de forma muito clara: se os EUA querem o acordo, o interesse econômico de outros países tem que ser considerado seriamente.
O problema é que os EUA são sempre muito sensíveis aos seus próprios problemas domésticos. Dizem que não podem mudar a agricultura por causa da pressão de forças políticas do Meio-Oeste. Mas todos os países têm problemas políticos domésticos também. Querem que os outros países superem seus problemas domésticos, mas se recusam a discutir os seus próprios.

Folha - O sr. acha que a agricultura é a questão principal da Alca neste momento?
Stiglitz -
Acho que é um dos temas-chave. Eu listaria três assuntos. Um é a agricultura. Outro são as barreiras não-tarifárias. Por exemplo: não faria bem ao Brasil assinar o acordo de livre comércio e começar a exportar algo que os EUA digam: "Vocês estão praticando dumping". Isso é exatamente o que aconteceu com o México. Após o Nafta, os EUA começaram a tomar ações contra os tomates, os abacates e até as ameixas mexicanas, uma série de ações que tentaram manter os bens mexicanos fora do país mesmo com as tarifas tendo sido reduzidas.
O terceiro ponto é o uso crescente de acordos de livre comércio para ir além do comércio. Eles fizeram isso no acordo chileno, por exemplo, no qual insistiram em restringir o direito chileno em usar controles de capital especulativo. Não tem nada a ver com comércio, mas era de interesse de Wall Street. Os EUA muito provavelmente fariam isso num acordo de livre comércio das Américas. Isso minaria a estratégia e a soberania brasileiras, sua estabilidade para aplicar políticas sociais e, creio, até a estabilidade para gerenciar sua economia.

Folha - Se a probabilidade de acordo até 2005 é próxima a zero, como o sr. diz, quais as consequências na política externa dos EUA?
Stiglitz -
Acho que é bem possível que o próximo governo dos EUA seja mais sensível em relação a um acordo livre comércio. Isso pode acontecer em 2004, talvez em 2008. Mas, certamente entre as pessoas mais jovens nos EUA, há reconhecimento de que o que fizemos no passado foi injusto.
Penso que as discussões contínuas vão criar uma força política mais forte dentro dos EUA para adoção de acordo de comércio mais justo. Há reconhecimento crescente nos EUA da importância da idéia de uma área de livre comércio nas Américas, de integração econômica mais próxima.

Folha - Então não que é que o acordo é impossível, mas sim improvável neste governo?
Stiglitz -
Não quero excluir a possibilidade de que o governo possa mudar seu pensamento -acho que há pessoas no governo que de fato acreditam na idéia. Mas não vejo nenhuma evidência de movimentos significativos na direção certa.

Folha - Mas o governo americano tem falado muito sobre a Alca.
Stiglitz -
A questão é: qual é a agenda econômica? Todo governo quer ter uma agenda. Eles não podem fazer mais cortes de impostos, porque o déficit já está muito grande.
Então o comércio está se tornando uma área de ativismo. É um setor em que eles podem obter conquistas, e as empresas americanas obviamente vêem oportunidades. Essas empresas americanas são evidentemente grandes contribuintes da campanha, então há uma agenda política clara de abrir mercados. Não há agenda, por outro lado, de reciprocidade. Há pressão para fazer algo, para conseguir uma área de livre comércio nas Américas, mas não há força política para que isso seja feito de maneira justa.


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