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Internet transfere "riqueza" para as redes
Sociedade moderna caminha para uma economia de coletivismo digital, conhecida como Web 2.0, dizem acadêmicos
No "novo mundo", grupos e indivíduos são mais livres do Estado e das corporações hierarquizadas próprios do período industrial anterior
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Há algumas semanas, para
comemorar dez anos no ar, a
revista eletrônica "Slate" reformulou seu site. Uma das novidades era um mecanismo cada
vez mais popular nas publicações on-line: a lista das reportagens mais lidas do dia. Para surpresa da editora Rachel Larimore, o campeão da quarta-feira dia 28 de junho era um artigo
intitulado "So Tired" (Tão Cansado), de Paul Boutin.
O fato de um texto do jornalista especializado em novas
tecnologias ser o campeão de
audiência não a espantava
-uma autoridade no assunto,
freqüentemente Boutin está na
lista dos dez mais de diversos
sites. O problema era a data:
"So Tired" foi escrito e colocado no ar pela primeira vez em
julho de 2004.
Qual o segredo?
O artigo tinha sido "postado"
(colocado à disposição) por um
leitor saudoso no novíssimo site Digg, com 300 mil usuários
registrados e 8,5 milhões de visitantes únicos por mês. O internauta visita o agregador de
notícias e submete um texto,
não necessariamente inédito
nem de autoria própria. A peça
recebe uma avaliação dos visitantes. A mais bem-votada vai
para o alto de uma lista de notícias na página inicial do Digg.
No final do ano passado, o
jornalista aposentado John
Seigenthaler resolveu dar uma
olhada em seu próprio verbete
na enciclopédia virtual aberta
Wikipedia. Fundador do Freedom Forum First Amendment
Center na Universidade Vanderbilt e ex-editor de opinião
do jornal "USA Today", ele estava curioso para saber o que
estava escrito sobre ele. No final do texto, encontrou os seguintes parágrafos:
"John Seigenthaler Sr. foi assistente do Procurador-Geral
Robert Kennedy nos anos 60.
Por um breve período, foi suspeito de ter participado diretamente dos assassinatos tanto
de John quanto de seu irmão,
Bobby. Nada foi provado." Demorou mais de um mês para
que a versão corrigida fosse
mantida no ar (não, o jornalista
não assassinou JFK ou seu irmão; Seigenthaler ainda não
descobriu o autor da piada).
Bem-vindo à Web 2.0. Os
dois casos acima, embora extremos, são exemplos da transição pela qual o processo de
produção na sociedade contemporânea passa, segundo
acadêmicos renomados como
Yochai Benkler, da Universidade Yale. De uma sociedade industrial, ou "a sociedade do fim
do milênio passado", como disse à Folha Benkler, a uma economia de coletivismo digital.
Nesse admirável mundo novo, que agrega preferências e
comportamentos de milhões
de pessoas, a mercadoria não é
mais material, mas a informação. O lucro vem quase exclusivamente de publicidade e do
apoio do Estado e de fundações. Os indivíduos e grupos
são mais livres e independentes do tipo de Estado e das corporações hierarquizadas que
definiram o período industrial.
São recompensados por incentivos não-monetários e atuam
de maneira descentralizada.
A "Bíblia" desse novo pensamento é "The Wealth of Networks - How Social Production
Transforms Markets and Freedom", "A Riqueza das Redes
-Como a Produção Social
Transforma Mercados e a Liberdade", livro que o professor
de Yale lançou neste ano. O título remete de propósito à "Riqueza das Nações", de Adam
Smith (1723-1790), pai da economia moderna e um dos principais teóricos do liberalismo
econômico. Nele, Benkler defende que estamos ingressando
no sistema de "produção compartilhada por uma comunidade" ("commons-based peer
production", em inglês).
"A célebre "mão invisível" assumiu agora a forma de uma
nova autonomia, a das forças
de oferta e demanda que se
contrapõe no universo das redes digitais", escreve Gilson
Schwartz, professor de economia da ECA-USP e diretor da
Cidade do Conhecimento (leia
texto ao lado). Os melhores
exemplos disso são sites como
os já citados Digg e Wikipedia,
mas também o Slashdot, del.icio.us e o popular YouTube, cujo slogan é "seja você mesmo
sua própria emissora".
Neles, teoricamente, qualquer um pode contribuir com o
conteúdo, e um sistema de pesos e balanços entre os próprios pares controla a qualidade (Teoricamente, pois empresas têm sido obrigadas a restringir seu acesso total por conta de vandalismo digital.)
É a Web 2.0, termo que, por
coincidência, é tema de um
texto do próprio Paul Boutin,
aquele do artigo de 2004 da
"Slate". Um tanto idealista? É o
que acha também Jaron Lanier, um dos principais críticos
de Benkler. Em artigo publicado no site Edge.org, o teórico
de tecnologia da Universidade
da Califórnia em Berkeley rebatizou o movimento de
"maoísmo digital".
Segundo disse à Folha, Lanier acha que o ato de rejeitar a
expressão individual e a criatividade para fazer parte de uma
massa sem rosto lembra perigosamente a Revolução Cultural que teve início no governo
do líder comunista chinês.
Questionado se não era só uma
picuinha entre Berkeley (berço
da contracultura) e Palo Alto (a
sede do Vale do Silício), cidades
californianas que são opostos
complementares, Lanier riu.
"Pode ser. Mas que é um pensamento perigoso, isso é."
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