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OPINIÃO ECONÔMICA
Lula, reformas e liberdade
PAULO RABELLO DE CASTRO
O presidente Fernando
Henrique Cardoso -"o presidente-moeda", como carinhosamente o apelidamos, ainda em
1994- tinha uma espécie de pacto com a população brasileira,
desde que esta o elegeu pela primeira vez: consertar a bagunça
inflacionária e constituir no Brasil um padrão de moeda realmente digno de merecer confiança.
Creio ter sido essa a cola que grudou a opinião pública ao presidente que agora sai de cena. O
presidente FHC jamais desviou-se
do rumo de proteger e fortalecer o
real, a nova moeda brasileira.
Seus principais equívocos (excesso de endividamento, tardia
atenção às exportações, anemia
de crescimento) foram justificados pela absoluta fidelidade do
presidente ao objeto de seu pacto
com o povo: moeda estável, inflação baixa e controlada. Embora
machucada por crises sucessivas
(Ásia, Rússia, Argentina, energia,
confiança mundial), a moeda
brasileira está aí, como um legado efetivo, pelo qual precisamos
lutar e aperfeiçoar. Mas agora o
público virou essa página da história.
O pacto implícito na eleição de
Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República transcende à
defesa da moeda. Esta, presume-se. O compromisso que Lula pactuou com a sociedade é aquele
que faltou para completar o sucesso da era FHC: crescimento.
Compromisso com o crescimento
exigirá um novo Lula, um novo
PT, uma nova coalizão de governo, uma nova mentalidade e uma
até aqui desconhecida "autopoiese". Esse palavrão, tomado emprestado à moderna biologia (cf
Maturana), significa o atributo
da criação ("poiesis" = poesia,
criação), aquela que vem de dentro de cada ser vivo. O país, como
um ser coletivo, vai ter que se
mostrar capaz de reproduzir melhor seu próprio código genético,
tirar lá de dentro de suas próprias
entranhas uma capacidade de
criar e de fazer que não está inscrita nas formulações econômicas
neoliberais do período do Plano
Real (se é que esse pejorativo horroroso "neoliberal" cabe para definir o espírito de imitação e repetição de fórmulas prontas com
que nos brindou a sabedoria convencional dos formadores de slogans econômicos no mercado).
Na semana retrasada, ao tomar
a palavra para lançar a Fundação Internacional para a Liberdade (FIL), em Madri, o escritor
peruano e proto-Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, lembrava em seu discurso de posse
como presidente da nova instituição que a América Latina clama
por uma abordagem mais ampla
do que aquela propagada no âmbito das chamadas reformas econômicas. "A sociedade -lembrava ele, empolgado- não se contenta apenas com propostas de reformas econômicas viáveis. Ela
quer enxergar, por trás dos pacotes e programas, quem faz, por
que e por quem se promete alcançar as mudanças sociais." Vargas
Llosa lamentava as reformas de
Fujimori no seu próprio país, o
Peru. "Se for para fazer as reformas, sem ética, sem compromisso
com a decência e sem foco nas efetivas aflições sociais, então melhor não fazer." E completava,
apontando o compromisso básico
e essencial da FIL -a nova fundação: o engajamento dos liberais
reformistas na política é fundamental, principalmente para a
defesa intransigente e inabalável
da democracia, como regime de
organização política de qualquer
sociedade, em qualquer circunstância e lugar.
O casamento da ética na administração pública com a democracia é o pilar da nova organização social, pressuposto do crescimento sustentado, que Lula se
comprometeu a atingir em sua
gestão. Esse casamento representa o terreno de plantio da liberdade, pois tampouco vicejará o
aperfeiçoamento político da democracia sem a defesa das liberdades econômicas de empreender, de investir e acumular, de
contratar e de trabalhar. Subitamente, vemos com satisfação o
Lula presidente bastante à vontade com os conceitos de liberdade e
democracia, peças de suporte ao
seu programa de reformas rumo
ao crescimento. Só o tempo determinará o alcance e a profundidade desse compromisso político
histórico, essa reviravolta na dialética do Partido dos Trabalhadores.
O tempo desgastará as energias
iniciais e o capital político de partida, e as circunstâncias testarão
sua nova convicção reformista e
libertária. O compromisso com o
crescimento dele exigirá, sobretudo, capacidade de conviver com a
solidão das decisões difíceis e a
persistência no caminho previamente traçado. Bússola e vontade
serão os instrumentos da caminhada, além de um cantil para
molhar os lábios ressecados da
farta exposição ao sol causticante
de toda sorte de pressões de interesses.
O compromisso com o crescimento será o mais difícil desafio
pondo à prova um presidente civil
desde JK. Tornar-se-á viável à
medida que o novo presidente recusar imitações. Nem todos os caminhos levam ao êxito. São poucas as trilhas até o alto da montanha, e há mais embusteiros do
que guias confiáveis até lá. Haverá enigmas para decifrar e charadas a resolver. Haverá um relógio
do tempo cujos ponteiros se aceleram à medida que o jogador for
errando o jogo. Por tudo isso, como alertava o presidente da nova
Fundação Internacional para a
Liberdade, o tema da economia é
essencial e, ao mesmo tempo, apenas um pormenor. O líder deve
seguir fiel a seu compromisso de
liberdade e de crescimento. Que o
presidente eleito comece seu jogo!
E que Deus o ilumine.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
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