São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

O Brasil na rabeira

LUCIANO COUTINHO

Sob uma burocracia de Estado competente e meritocrática, relativamente imune a pressões políticas, capaz de estabelecer um planejamento racional para uma trajetória superdinâmica de acumulação produtiva tanto por parte do setor estatal como por parte do seu pujante setor privado emergente e contando com um sistema bancário "socializado" que mobiliza e oferta crédito barato de longo prazo segundo as prioridades estabelecidas, a China vem crescendo há duas décadas e meia a uma taxa de 9,5% ao ano. Desde 1980 sua renda per capita aumentou 300%; universalizou-se a educação básica e o percentual de jovens freqüentando universidades subiu de 2,2% para 21% (com concentração em engenharias e carreiras técnicas). As exportações chinesas saltaram de 0,9% das exportações mundiais para 6,5% em 2004; de um participante marginal, tornou-se o terceiro protagonista do comércio mundial.
Mas a China não quer dormir sobre esses louros: planeja quadruplicar a renda per capita nos próximos 25 anos, transformando-se em uma sociedade urbana moderna em que as regiões hoje mais pobres do interior estarão integradas às suas cadeias de fornecimento global. A China pretende se mover -de fato já se move- na direção das cadeias dinâmicas de alta tecnologia, com marcas próprias e grandes empresas investindo pesadamente em P&D e na capacitação de pessoal qualificado. Utiliza pragmaticamente os modernos instrumentos de política industrial (proteção tarifária "inteligente", incentivos à tecnologia, requisitos às transnacionais nas áreas prioritárias, ZPEs, isenções tributárias, exigências crescentes de governança e excelência gerencial). A política econômica será cautelosa e previdente no futuro para poder diluir progressivamente os empréstimos insolventes dos quatro grandes bancos estatais (20 a 25% do PIB) e para poder flexibilizar cuidadosamente a formação das taxas de juro e de câmbio, sem aguçar riscos que possam ameaçar o rápido crescimento. O grande desafio será adaptar o monopólio político e de poder do PC à rápida emergência de uma nova classe burguesa e de uma sociedade civil com aspirações crescentes.
Ao lado da China a Índia, a partir da grave crise cambial de 1991, logrou superar a fragilidade externa e desde então cresce à taxa de 6% ao ano. Suas reservas de divisas alcançam hoje confortáveis US$ 146 bilhões. A Índia desenvolveu um importante setor de serviços (com um relevante segmento em tecnologias da informação). Há, ainda, grandes desafios pela frente (que abordaremos em próximo artigo), mas aspira-se subir o ritmo de crescimento do PIB para 8% ao ano na próxima década.
Diante desses exemplos é ridículo conformar-se com um crescimento "potencial" do PIB brasileiro de apenas 3,5%. Deveríamos construir condições para crescer anualmente a 6%. Isso é possível e deveria ocupar a agenda pública que, infelizmente, ainda chafurda sem objetividade nessa lamentável crise do nosso sistema político.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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