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Governo também fez "contrabando" na "MP do Bem"
GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Congresso e os empresários
levaram a fama, mas setores do
governo também contribuíram
para transformar a "MP do Bem"
-a recém-aprovada medida provisória de desoneração tributária- num calhamaço no qual pelo menos 20 setores da economia
pegaram carona e que acabou tratando de temas de pouca relação
com seu objetivo inicial.
A lista dos lobbies empresariais
que conseguiram apoio parlamentar para incluir total ou parcialmente seus pleitos no texto da
medida impressiona.
São eles: setor elétrico, produtos
químicos e farmacêuticos, cooperativas de crédito, cooperativas de
transporte rodoviário de cargas,
embalagens de frutas, laticínios,
bovinocultura, sucata, papel de
imprensa, nafta petroquímica, estaleiros navais, Zona Franca de
Manaus, cerealistas, fontes alternativas de energia, taxistas, gemas
e jóias, criadores de camarão,
companhias aéreas, prestadores
de serviços e faculdades privadas
-sem falar de casos gerais, como
as micro e pequenas empresas.
Já ministros e autoridades do
governo Lula formaram grupos
de pressão menos numerosos,
mas capazes de aprovar artigos
que tornaram a "MP do Bem"
muito mais que uma iniciativa de
desoneração.
Dilma Rousseff, da Casa Civil,
conseguiu alterar a Lei de Concessões, de 1995, que rege a prestação
de serviços públicos por empresas
privadas autorizadas pelo Estado.
A ministra pôde incluir na MP
dois artigos que adaptam a lei anterior às recentes regras das PPPs
(Parcerias Público-Privadas).
A própria reivindicação de Dilma foi, num trocadilho inevitável,
uma parceria público-privada:
grupos empresariais interessados
nas PPPs queriam mais facilidades para obter empréstimos e investir nos empreendimentos.
A prática de aproveitar projetos
de lei e, em especial, medidas provisórias para aprovar discretamente propostas que nada têm a
ver com o objetivo original do texto já faz parte do folclore do Congresso -tal expediente já ganhou, no jargão parlamentar, o
apelido de "contrabando".
Na "MP do Bem", até o ministro
Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) arranjou lugar
para uma nova regulamentação
que facilita a concessão de títulos
de posse em áreas rurais da Amazônia, uma das preocupações
imediatas de sua pasta.
Já a Receita tratou de batalhar
por algumas medidas "do mal"
-ou seja, destinadas a elevar impostos ou combater a sonegação e
o planejamento tributário (expediente que consiste em usar brechas legais para driblar o fisco).
Três pleitos do secretário Jorge
Rachid acabaram naufragando. O
primeiro foi uma nova legislação
para a tributação dos cigarros,
com o objetivo de combater a informalidade. Considerada complexa e ambiciosa, a proposta
nem chegou a constar dos textos
votados na Câmara e no Senado.
O mesmo destino tiveram 16 artigos redigidos pela Receita criando um regime tributário especial
para os profissionais liberais prestadores de serviço, que teriam tributação maior. Foi mais forte o
lobby liderado por empresas de
comunicação, que incluiu na MP
um único artigo regularizando a
prestação de serviços com a tributação atual.
"Maldade"
Outra "maldade" da Receita
acabou chegando ao texto da MP,
mas foi retirado poucas horas antes da aprovação final da medida
pela Câmara, na quinta. Tentava-se eliminar benefícios concedidos
a empresas que compraram antigas estatais. Mas Rachid conseguiu aprovar artigos destinados a
fechar brechas para o planejamento tributário em exportações
e acelerar a cobrança de pendências com o fisco. Há ainda um artigo elevando a tributação sobre
os fabricantes de cigarros cuja origem é dada como desconhecida
no Congresso.
Mais afinado com o espírito da
MP, o secretário da Pesca, José
Fritsch, aliou-se a parlamentares
do Nordeste e obteve energia elétrica mais barata para os produtores de camarão em tanques.
O ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) atuou intensamente no Congresso, mas
sua preocupação principal era
com o conteúdo original do pacote tributário, voltado para atrair
ao país investimentos destinados
à exportação, além de benefícios
para informática, construção civil, mercado imobiliário e previdência privada.
"O governo não teve uma ação
coordenada na negociação da
MP. O governo funciona com
ilhas de decisão", avalia o deputado Custódio Mattos (PSDB-MG),
relator da MP na Câmara e alvo
natural dos diferentes lobbies.
Por esse motivo, poucos se
aventuram a adiantar os vetos que
o presidente Lula fará no texto
-que chegou ao Congresso com
74 artigos e terminou com 134.
Uma candidata ao veto é a regularização dos prestadores de serviço; outra é a redução de PIS e Cofins para a nafta petroquímica,
apoiada pelo PFL baiano.
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